Percorrer a Estrada Real (ER),ou melhor parte dela, representou a oportunidade de entrar em contato com um Brasil antigo e conhecer in loco, os caminhos que no passado foram desbravados pelos bandeirantes e exploradores em busca do ouro e diamantes.
Essa vias ou caminhos, surgiram a partir do seculo XVII- muitas delas originarias de antigas trilhas indígenas - e foram cenário de acontecimentos determinantes para a história do Brasil.
Graças a ER, ocorreram a interiorização e a urbanização de boa parte do país, alem do surgimento de vilas e povoados que deram origem a importantes cidades.
A ER tem três caminhos definidos: o Caminho dos Diamantes que vai de Diamantina a Ouro Preto, o Caminho Velho que liga Ouro Preto a Paraty e o Caminho Novo que vai de Ouro Preto ao Rio de Janeiro. Para embalar a narrativa aqui vai um Hino Mineiro:
Coração Brasileiro
Coração Brasileiro
Os três caminhos totalizam mais de 1.400 km.
O Caminho Velho- que foi o que percorri em parte- foi o primeiro e já a partir do seculo XVII fazia a ligação Vila Rica(hoje Ouro Preto) a Paraty, facilitando a circulação de pessoas, mercadorias, animais, bens, serviços e riquezas minerais.
A partir do ano 1698 entrou em funcionamento o Caminho Novo, que ajudou a diminuir o tempo de percurso entre as minas gerais e o porto do Rio de Janeiro.
Ligando Vila Rica a Diamantina o Caminho dos Diamantes permitiu o escoamento das pedras preciosas da região do Serro Frio e sem dúvida foi uma das vias de maior importância estratégica para a coroa portuguesa.
As cidades e vilas pelas quais passei conservam alguns dos ícones e monumentos deste rico período, incluindo igrejas, museus, os conjuntos arquitetônicos e as preciosidades sacras.
A tradição da ER como principal rota para caminhantes e cavaleiros iniciou-se no seculo 18, mas a partir da abertura dos portos pela Coroa Portuguesa no século seguinte, ela passou a ser percorrida também por viajantes de outras nacionalidades.
Conhecidos como "naturalistas"eles tinham um olhar atento e curioso e ainda sólidos conhecimentos acadêmicos. O objetivo desses viajantes que integravam missões oficiais financiadas por governos europeus era, claro, chegar aos desconhecidos trópicos para estudar e coletar pela primeira vez espécies da fauna e flora brasileiras. Graças aos trabalhos desenvolvidos e os resultados surpreendem até hoje, a arquitetura, botânica, zoologia,mineralogia, etc proporcionaram a inscrição de seus nomes na história das Ciencias Naturais.
Vejamos o que diz o ingles Charles Fox Bambury sobre Diamantina e a Estrada Real: " Não se dá ao Tijuco outro nome alem de arraial, entretanto a população dessa aldeia já que é assim chamada, eleva-se a cerca de 6.000 almas e o número de casas é de 800. antes mesmo de chegar-se a essa bonita aldeia o viajante fica bem impressionado vendo os caminhos que a ela vão ter. Até a uma certa distancia, os caminhos tinham sido reparados pelos cuidados do intendente e por meios do auxílio de particulares. Ainda não tinha visto nada tão belo pela província"
Sobre Cocais, vila de rara beleza ele comentou: O arraial de Cocais não é somente o mais belo que ví em Minas, mas ainda o mais magnificamente situado.Está posto em suave declive e no cimo de pequena montanha que se ergue no meio de um semicírculo formado pela serra que em alguns lugares se cobre de matas virgens e em outros é pedregosa e desnuda. entre o arraial e a serra corre o pequeno rio Una, de pouca água na estação seca. ao longo se suas margens e mesmo até considerável distancia, o solo foi por toda parte escavado e lavado em busca do ouro: estas operações ainda agora se fazem. Longe de mostrar a ruína e decadência que apresentavam em outros lugarejos antes percorridos, daqui as casas tinham um ar de asseio e e elegância caiadas e cercadas de pequenos pomares com laranjeiras, bananeiras, cafeeiros, etc. A Igreja salienta-se fortemente entre as demais construções, cercadas de palmeiras altas que dão aspecto verdadeiramente tropical"Viagem ao interior do Brasil 1826-1836.
Abaixo foto que fiz em Cocais em 3 de maio deste ano, ainda fiel á descrição de Charles Fox Bambury
Um breve comentário:
A movimentação através do Caminho Velho crescia proporcionalmente à prosperidade da região mineradora. enquanto o ouro seguia a cada dia em maior quantidade em direção ao litoral, no sentido inverso subia a serra toda sorte de bens manufaturados, quinquilharias e produtos para uso doméstico na agricultura e nas oficinais e ainda para variada comercialização nas vendas e armazéns. Proliferaram neste período os pousos,ranchos e vendas que muitíssimas vezes originaram arraiais, povoados e vilas.
Era de interesse da coroa portuguesa que registros de controle fossem instalados em locais estratégicos, possibilitando e garantindo maior rapidez do escoamento e abastecimento da região mineradora e ainda favorecendo melhor chance de cobrança de taxas e impostos, bem como controlar as riquezas extraídas com a finalidade de coibir o contrabando.
A ideia e a viagem.
Quando me programei para caminhar pela ER, sabia das possibilidades de aprender mais sobre a história e melhor ainda, vivenciá-la.
Sendo natural de São João del Rei, cidade por onde passa a ER, ansiava em percorrer esse caminho de vibrantes paisagens, associando a vontade de caminhar com a possibilidade de fotografar as belezas espalhadas pelo caminho.
A ideia foi sair de Ouro Preto e chegar a SJDR num percurso que segundo o roteiro planilhado constante do site da ER, perfaz um total de 254 km.
Uns seis meses antes contatei os amigos de São Paulo,Brasília e BH e eles se mostraram bastante animados com a ideia.Ao final eramos nove pessoas ávidas por simplesmente andar.Seria nosso quinto caminho juntos.
Feitas as projeções de tempo, percurso, hospedagens, logística e reservas realizadas, tomei o ônibus na rodoviária de Vitória no ingrato horário de 20.30 h. Chegaria muito cedo!
Já prevendo a chegada em horário impróprio,telefonei ao hotel para saber da possibilidade de pelo menos me abrigar do frio dentro do hotel.
Com o sinal positivo fiquei mais tranquilo e a viagem se desenrolou sem problemas até Realeza quando o mau tempo atacou e uma chuva pesada me acompanhou até Ouro Preto.
Cheguei ás 4 h da manhã com bastante chuva e o temor de não achar táxi Mas para minha surpresa três heroicos taxistas lá estavam esperando passageiros.
O frio e o vento estavam danados e assim peguei a mochila pela alça e fui no táxi até o Hotel Colonial. Bati à porta e um sonolento porteiro veio atender meio a contra gosto, mas assim mesmo adentrei me abrigando do frio e da chuva.
Permitiu que me alojasse no quarto reservado e então pude constatar que a minha mochila estava completamente ensopada, vítima de um posicionamento inadequado no bagageiro do ônibus que, pela quantidade de chuva que caiu, evidenciou péssima impermeabilização tendo a água penetrado pelas frestas.Algo impensável em ônibus modernos.
A sorte foi que minhas roupas e demais pertences estivessem embaladas em sacos plásticos com fecho de pressão e assim minhas roupas continuaram sequinhas.Tive que encaminhar a mochila para uma lavanderia para que fosse colocada numa boa secadora.
Dormi um sono profundo até as nove horas.
Museu da Inconfidência
Um pouco depois que tinha tomado o café e ao sair vi o casal Navarro e Regina arrastando suas malas pelo passeio rumo ao hotel. Conversamos e eles se instalaram.
Logo em seguida saímos para conhecer a cidade, debaixo de um frio razoável e ventos fortes. Eu já conhecia Ouro Preto desde a época de estudante, mas mesmo assim nunca é demais rever igrejas, museus e suas artes sacras.
O passeio por suas íngremes ladeiras calçadas com pé de moleque é uma atração especial.
As igrejas- verdadeiras obras primas com autoria de Aleijadinho e Manoel Francisco Lisboa, seu pai- e os casarões seculares são as características mais marcantes da história da antiga Vila Rica, que foi fundada em 1711 tendo sido no período de 1721 a 1897 a capital da Província de Minas Gerais, quando após isso a capital foi transferida para Curral D'el Rei, hoje Belo Horizonte.
Igrejas de São Francisco e N S do Carmo( a de baixo)
A lavanderia indicada pelo hotel fica nas proximidades da Estação ferroviária e neste espaço da Cia Vale do Rio Doce( abaixo), hoje apenas Vale, visitamos o interessante museu com incríveis componentes da atuação ferroviária daquela companhia.
Voltamos para a cidade alta por assim dizer já que subimos bastante de volta da estação, para visitar o interior da belíssima Igreja de São Francisco onde um grupo recebia de um experiente guia, explicações interessantes à respeito dos equipamentos, vestimentas e demais objetos sacros existentes no interior da igreja e que foram usados desde os primórdios da fundação da Igreja datada de 1713. Importantes imagens com quilos de ouro estavam hermeticamente fechadas em mostruários blindados.
A Casa dos Contos é outro lugar imperdível para os turistas pois a vasta coleção de objetos usados pelos contratadores, senhores e escravos faz do acervo dessa casa um dos mais ricos. Abaixo réplica de objetos para cunhar barras de ouro.
Sobre Vila Rica diz John Mawe (1764-1829) mineralogista inglês:"apesar do cansaço da viagem, que me predispunha ao sono, pus-me a pensar no lugar a que chegamos e que durante muito tempo fora objeto da nossa admiração e de conjectura. Vila Rica-ah! a Vila Rica!capital da Província de Minas gerais e sede do governo, lugar durante muitos anos o mais rico do Brasil, visto que para aí se levava todo o ouro encontrado no vasto distrito em derredor. Impaciente por ver sinais de esplendor que o nome indica dormi pouco e levantei-me cedo". Viagem ao interior do Brasil,(1807-18011). gravura abaixo
A história sobre a antiga Vila Rica é vastíssima, com temas importantes como a Inconfidência Mineira e suas consequências.Vejam esse interessante link sobre Vila Rica.
Os poetas inconfidentes perduram até hoje no romanceiro popular.
Uma das casas que visitamos foi onde morou o poeta Tomás Antonio Gonzaga, apaixonado por Marília de Dirceu.
Igrejas que devem se visitadas:
- Igreja N S da Conceição, projeto de Manoel Francisco Lisboa, pai do escultor Aleijadinho e cuja construção foi terminada em 1746, tem influencias neoclássicas,
- Igreja Martiz N S do Pilar, construída entre 1712 e 1733 é uma das igrejas em que o barroco mineiro se mostra mais exuberante. mantem um museu de arte sacra no sub solo e exibe imagens do seculo 18,
- Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, construída entre 1766 e 1812, com pinturas de Manoel da Costa Athaíde e que possui no forro da nave a pintura de N S rainha dos anjos mulata, cercada de anjos e que é considerada sua obra prima,
- Igreja N S do rosário dos pretos , construída por vlta de 1770 é considerada exemplar na aplicação do barroco mineiro.
- Igreja da Ordem Terceira de N S do Carmo cujo risco é de autoria de Aleijadinho e qie possui no teto pinturas de Athaide,
- Igreja de Santa Efig~enia dos pretos,
- Igreja de São Miguel e Almas ou dos Santíssimos Corações;
- Igreja de São Francisco de Paula;
- Igreja N S das Mercês;
- capela N S das Dores;
- Capela de São Sebastião.
Museus:
- Museu da Inconfidencia,
- Museu da Ciencia e da Tecnologia,
- Museu do Aleijadinho,
- Casa Guignard,
- Casa dos Contos,
- Teatro Municipal,
Parques:
- Parque Estadual do Itacolomi
Chafarizes e Passos:
- Destaque para os Chafarizes da Glória, na praça Tiradentes, o do Alto das Cabeças , do Poço Santo Antônio e dos Contos.
Um lugarejo que merece ser visitado é o distrito de Lavras Novas, localizado a 18 km de Ouro Preto e que se tonou um point por ter sido um povoado que ficou isolado por mais de um século.
Terminando esse périplo por Ouro Preto, aguardei a chegada dos outros amigos e assim que aportaram ao hotel, fomos a um restaurante para o jantar, o que nos levou até ás 22 horas para tomar um saboroso caldo num barzinho da praça onde a música ao vivo completou a noitada.
Fomos dormir pensando na grande jornada do dia seguinte com destino a Cachoeira do Campo: 34 km de pura montanha mineira!
Segue no próximo post...
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