quinta-feira, 24 de setembro de 2015

14º dia - Piediluco- Labro-- Poggio Bustone 24 km

Nesse dia acordei com o corpo descansado e de bem com a saúde. Abrindo as cortinas do janelão do quarto, ví as tranquilas águas do lago de Piediluco, contrastando com  o azul do céu e o verde das matas ao redor.

Naquele fim de mundo em que me encontrava, não se ouvia nenhum som, nada parecido com o habitualmente existente nas cidades e com os quais estava acostumado.

Umas lavadas roupas coloridas, minhas e dos colegas, balançavam ao vento, penduradas que estiveram por toda a noite nos varais do pátio anexo.   
                                                                              
A Itália estava sendo um passeio mágico, onde eu estava literalmente visitando algumas das mais belas obras da época medieval e renascentista, de uma forma diferente do modelo convencional de turismo. Nesse, as pessoas alugam carros, ônibus ou trem e se deslocam de um canto a outro com extrema facilidade, aproveitando o tempo.

No nosso caso, os trajetos percorridos à pé, estavam proporcionando um estreito contato com os usos e costumes dos moradores de lugarejos que, de outro modo jamais seriam alcançados. 

Ai está, na minha opinião, uma peculiar forma de interação com os verdadeiros habitantes. O contato, a conversa, as refeições ao redor de uma mesa, o vinho compartilhado, tudo isso estava fazendo uma grande diferença.
                                                                               
Depois do café tomamos o rumo de Labro, uma cidade medieval praticamente desabitada( população 348 habitantes, segundo o último censo).Havíamos saído da Umbria e agora percorreríamos a Láscio.
                                                 
Saímos margeando o lago, passando por um clube de campo com muitos barcos de regatas,




através de uma  estradinha isolada e agradável em meio a muitas árvores, rumo  imponente montanha à frente onde estava encravada a medieval cidadela. 

O trajeto até lá não foi longo, apenas ressalto que a subida foi bem cansativa, dada a localização da cidade no topo da colina, com 1.100 m de altitude.A paisagem como sempre agradava aos olhos, tal o esmero e cuidado com que a terra e as culturas são tratadas.    
                                                   



                  
Labro é uma comuna surpreendente. Circundada por um amplo panorama de lagos e montanhas que acobertam neve no inverno,é caracterizada pelas suas casas totalmente de pedra e ruelas estritas e tortuosas.

Há um castelo fortificado datado do século X, construído pela família Nobili, cuja história está ligada a batalhas e escaramuças com castelos vizinhos a longo da idade média.

                                                             L A B R O 



Nenhuma dessas batalhas,guerras ou mesmo  terremotos, abalaram a identidade dessa singular cidade, cujas edificações como disse estão bem preservadas.
                                       


Apesar das casinhas bem cuidadas, com muitas flores nas janelas, cortinas nas janelas, etc. não se vêem pessoas.

Parece ser mesmo uma cidade destinada apenas à visitação. Vimos umas quatro ou cinco pessoas nas ruas, um tratorista permitiu uma foto como que para comprovar que existe gente lá. 
Magnífica mesmo é a vista que se tem do alto, ao lado de uma torre medieval. 
                                                             


Deixamos a singular Labro descendo as ladeiras até o asfalto onde paramos numa pequena cafeteria para um café. Ví meu nome estampado numa placa diretriz de uma pizzeria adiante.Já era a segunda vez que me fazia representar nas terras italianas. Parece que gostam mesmo do Ulisse.
Seguimos adiante. Pegamos uma trilha longa e cansativa, com paradas estratégicas para descanso,cheia de armadilhas e curvas,recomendável somente por quem a  conhece, descemos muito e após outra forte subida  chegamos a Faggio di San Francesco.







Segundo a história, trata-se (a Faggio di San Francesco),de  imensa árvore com cerca de 22 m de diâmetro, que serviu de abrigo a Francisco para se proteger da forte tempestade que se abateu quando ele estava no Monte Reatini.

Os seus imensos galhos se dobraram em forma de guarda chuva depois que ele fez orações a Deus pedindo proteção.Ao que consta, esta árvore sofreu uma rara mutação e segundo dizem, existem somente outros dois exemplares no mundo: Inglaterra e E. Unidos. 

Depois de ouvirmos as explicações de Cristina, foi inevitável que cada um fizesse suas orações particulares e logo a seguir, ponderamos que fosse lida a famosa Oração de São Francisco,sendo esse um momento de grande emoção vivenciado por todos nós.

"Senhor, fazei-me instrumento da vossa paz
Onde houver ódio, que eu leve o amor
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão
Onde houver discórdia, que eu leve a união
Onde houver dúvida, que eu leve a fé
Onde houver erro, que eu leve a verdade
Onde houver desespero, que eu leve a esperança
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria
Onde houver trevas, que eu leve a luz.

Ó mestre, fazei que eu procure mais consolar do que ser consolado
Compreender do que ser compreendido
Amar que ser amado
Pois, é dando que se recebe
É perdoando que se é perdoado;
E morrendo que se vive
Para a vida eterna"                                
                                       



Imediatamente após a Faggio existe uma escadaria que dá acesso à Capela de San Francesco, simples e modesta construção que, ao que dizem, foi abrigo e casa de orações dos pastores e fazendeiros na Idade Média. Fomos até lá para umas fotos e um pit-stop para comermos nossos sanduíches.



Deixamos a Faggio e a capela descendo uma estrada asfaltada e depois uma trilha estreita e sinuosa até que avistamos, ao longe, a comuna de Poggio Bustone, que a exemplo das outras está encravada no alto de um monte. 
                                                                  
Poggio  foi onde São Francisco iniciou sua missão de paz, e sua história se perde no tempo, pois os primeiros documentos relativos a sua origem, datam do seculo  XI. É uma cidadela condecorada como de "valor militar pela Guerra da Libertação" pelo sacrifício de sua população durante a Segunda Guerra Mundial.


A estrutura da parte antiga da cidade lembra, em muitos aspectos, as classicos comunas medievais. Vagando pelas ruas da pequena vila pode-se observar a porta gótica que pé a porta da entrada antiga e a torre pentagonal da Fortaleza, que é parte de um castelo do qual permanecem hoje  apenas as ruinas..
                                                           
Na entrada da cidade passamos pela Igreja de São Francisco, local onde ele teria recebido o milagre do perdão de seus pecados. Depois de comprar alguns souvenirs numa lojinha, descemos para o Ostelo Francescano, nosso local de pouso desta noite.
                                                                    


O Ostelo Francescano, de propriedade de Feliciano, simpático hospedeiro que nos facilitou sobremaneira, pois também é dele o restaurante onde fomos jantar, é uma casa restaurada nos moldes antigos e tem bom conforto.

Enquanto não dava a hora do jantar, eu  e o amigo Pedro Tamarossi, nos dirigimos ao seu bar "Locanda Francescana e Ristorante" para tomarmos uma birra a la spina  e prosearmos sobre as diversas situações com as quais nos deparamos nessa viagem.

Ao lado do restaurante,  um movimentado bar onde um conglomerado de italianos jogava baralho e inevitavelmente, falavam em voz alta.Parecia um jogo de truco lá em Minas.




Em dado momento, após administrar os problemas do Ostelo, Feliciano esteve sentado à mesa conosco, contando um pouco dos seus afazeres diários. Soubemos um pouco da história do Ostelo e de Poggio. 

Serviu-nos graciosamente uns petiscos característicos como presciotto e formaggio, ambos da melhor qualidade. A foto onde eu e Pedro aparecemos em seu bar é de sua autoria.

A Itália vista de cima é bela! ou melhor, belíssima! Os vales, planícies  e encostas, carregados de olivais e vinhedos, são parte constante desse nosso trajeto.


Voltamos ao Ostelo para o banho e mais tarde retornamos para o jantar, servido magistralmente pelo Feliciano e equipe.
Seu restaurante internamente é repleto de produtos cárneos defumados, vinhos, queijos e outras iguarias adequadas ao ideal acompanhamento de vinhos e cervejas
     





Terminado o jantar, voltamos ao Ostelo. Noite clara e leve frio permitiram  um sono razoável. Quem esteve cansado como eu não se abalou com uns tantos roncos dos colegas.

Esse foi seguramente um dos mais belos dias do caminho!








  

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