quinta-feira, 24 de setembro de 2015

2º dia- de Sansepolcro a Cittá di Castelo

Conforme eu resolvera na noite anterior, não iria caminhar por não estar totalmente seguro das minhas ideais condições físicas e afinal, seriam 34 km!
Devido uma dor na coluna lombar, aumentada um pouco em função do colchão excessivamente macio, preferi não arriscar.

Aliás, um fato comum nos hotéis onde nos hospedamos, foram os colchões extremamente macios, pois na maioria das vezes,os colchões assentam-se sobre estrados em arames entrelaçados, dando ao usuário a impressão de estar num colchão de molas. Isso é péssimo para quem sofre de problemas lombares.
Em quase todas os vezes,na hora de dormir, coloquei o colchão no chão para proporcionar mais firmeza. Funcionou muito bem.
                                                                     
Acordei bem cedo, não eram ainda 6 horas. Depois da higiene, fui ao terraço pegar minhas roupas que lavara na noite anterior e o raiar do dia me sensibilizou ao vislumbrar as silhuetas da medieval cidade. Estava ainda tudo silencioso.
Peguei minha câmera para fotografar a cidade( (Lateral da Igreja de San Francesco) e flagrei um jato que cruzava os céus naquele momento.                              

                                            

                                               
Assim resolvido, nos despedimos dos hospedeiros do Albergo Fiorentino( 3 estrelas),assisti à partida dos colegas e fiquei um pouco a raciocinar sobre o destino das pessoas de modo geral, enquanto saboreava um café  no pequeno bar da praça de onde partiam os ônibus.




                                       
Na cidade de muitas e belas igrejas( catedral acima|), imponentes monumentos e seculares castelos, não poderia deixar de registrar a bela  nave central e  o portal de entrada da Igreja de San Giovanni Evangelista(sec.XI). Os portais das igrejas, os janelões e vitrais  são verdadeiras obras de arte e objetos constantes das minhas lentes.

Espantei-me com a desenvoltura com que me dirigi, em italiano, às pessoas para obter as informações necessárias.
Isso( o teste de falar italiano ) eu já havia feito com o  pessoal  do Bucca de Michelangelo especialmente com a "nona", na ocasião que estivemos repartindo um vinho tinto antes do almoço. 
Só não dava- ainda- para pegar o sentido da conversa quando dois ou mais italianos estavam  discutindo entre si, pois parecia que estavam brigando e as palavras saiam aos borbotões.

Dois meses antes da viagem adquiri através do meu kindle, um  "como falar tudo em italiano", esperto guia para estrangeiros  que se defrontam com as mais diversas situações do dia a dia, seja no aeroporto, hotel, restaurante, ônibus, transporte, lavanderia,farmácia, etc. Foi sem dúvida,de muita  utilidade.



O bilhete para Citta di Castelo foi comprado sem o menor problema de comunicação, assim como a troca de moedas na hora de pagar o café. Enquanto aguardava, dei um giro pelas redondezas, apreciando o comércio e um ou outro monumento. Na praça anexa, fotografei essa estranha mas bela escultura, que na verdade não pude decifrar o significado.                                                        


O ônibus demoraria uns quarenta minutos, de modo que fiquei ali num banco da praça, raciocinando mesmo sobre:
 " comoéestarnofimdomundoàs8emeiahorasdamanhãnumlugarondeninguemteconheceeninguemfalaasualingua".



Rá! como diria o meu guru de juventude Thomas Green Morton, espetacular ser humano  que hipnotiza as pessoas, sem ao menos se dar ao trabalho de olhar para elas.


Assisti uma vez,  a uma cena desse mágic-man que, com uma simples frase e um olhar, numa mesa de um bar de um parque de exposições, me fez ver - a mim e um  amigo - uma bela nota de 100 cruzeiros quando na verdade era uma nota de 10! Ele dobrou na minha frente uma nota de dez, colocou nas minhas mãos, fechou-as e disse: " acredite que é uma nota de 100! Acreditei ... e puf,!!! ao desdobrar a nota apareceu uma de cem cruzeiros quando abri as mãos a.!

Para testar peguei a nota e sai da mesa perguntando às pessoas- quem troca 100 aí?- Todos balançavam a cabeça em negação, isto é TODOS  estavam também vendo 100!

O encanto quebrou-se minutos depois quando eu e o amigo nos desconcentramos e então a nota de cem virou dez na s minhas mãos.

Assim estava eu pensando na conveniência de andar ou não( por causa da lombar)naquele bar do Sansepolcro-do-fim-do-mundo:"Acredite, nada vai dar errado e o Caminho de Assis vai se desenrolar muito bem pra vc e para todos". Assim foi!

Confesso que estava mesmo temeroso da reação da minha coluna, de como seria caminhar 370 km sem nenhum problema. Católico que tem fé nada teme! Rezei muito, todos os dias! Nada aconteceu!

Já perto da hora da partida, um bando de rapazes e moças, na faixa de uns quinze anos,adentrou ao bar e educadamente, se sentaram esperando o autobus. Este chegou e a rapaziada foi entrando, sem balburdia, passando na roleta eletrônica. Eu fiquei olhando o procedimento para não pagar mico. Coloquei o código de barras em frente ao leitor ótico e a roleta deu luz verde. Passei no teste!

Fui sentar no último banco para poder apreciar a paisagem, e observar as pessoas.Só tinha eu de mais idade: os demais passageiros eram os garotos e garotas que, volta e meia, olhavam discretamente para mim que, com uma pequena mochila, chapéu de andarilho, botas e cajado, poderiam estar pensando:  o que faz esse camarada aqui a essa hora? ainda mais sem o menor fenótipo italiano!

Tudo pronto e na hora certa o autobus se moveu atravessando aquela praça arborizada por onde entramos na cidade e, com pouca velocidade, foi apanhando mais um garoto aqui, outro ali.

O tempo estava claro e o sol dava sinais que iria ser um dia quente. A paisagem da cidade não era tão diferente das habituais cidades de origem italiana que existem no Brasil, como vi em Santa Catarina.

A diferença está  na arquitetura, nos jardins bem cuidados, na ausência de muros e poucas pessoas perambulando ao redor. Àquela hora da manhã, um ligeiro fervilhar de carros indo e vindo me pareceu normal.

Pensei que deveriam ir para o trabalho ali mesmo , ou se deslocando para trabalho em outras comunas. No caminho para Citta di Castelo o autobus entrou em pequenas comunas para pegar ou deixar passageiros. Passei por Anghiari, San Giustino, Citerna, entre outras.

Num trajeto curto e pitoresco, tive a chance de conhecer, mesmo que de relance, pequenas vilas onde o dia a dia revela o verdadeiro espírito do povo. Não tive como fotografar pois minha câmera e o celular estavam com pouca carga.  
                                             
Ás 9.40h cheguei no ponto final desse autobus, local onde todos estudantes desceram. O motorista educadamente,me avisou que eu teria que descer aqui. Assim o fiz e  na pequena praça em frente a um grande colégio, entrei numa lanchonete para pedir informações sobre o hotel .
                                
Com a informação segui rumo ao centro histórico de  Cittá di Castelo, importante comuna  com cerca de 38 mil habitantes, situada na província de Perúgia,na Umbria.
                         
Atravessei umas tantas ruas estreitas e acanhadas do centro histórico intra muros, com prédios típicos de janelas altas e sombrias pelo estilo. As ruas mal cabiam um automóvel, pouco frequentes naquele momento. Àquela hora da manhã não havia muita gente nas ruas e de repente me ví diante da primeira grande igreja, ainda fechada. Tratava- se da Basílica  de San Florido e Amanzio que visitei mais tarde.
                                                           
                                         Hotel Le Mura - Ingresso
Mais uns quarteirões e outras informações, cheguei ao Hotel Le Mura onde fui muito bem recebido pelo simpático André, Mostrou-se muito amável e quando disse que era "brasiliano", derramou-se em elogios ao futebol brasileiro, citando nominalmente uma série de grandes craques que jogaram na Itália. Mostrou também conhecimento elogiável ao nosso selecionado de várias épocas.
                                     
Mais tarde apareceu Maximiliano o gerente de fato, pessoa agradabilíssima que mostrou saber muito mais sobre nossos craques e seleção brasileira que Rafael.
                                         
Me  permitiu colocar a bagagem na sala de espera até a abertura da diária ao meio dia e logo saí para conhecer a cidade.

Com um mapa de informações que peguei no hotel, fui então ao centro histórico visiitar seus monumentos. Voltei à Igreja de San Florido e Amanzio e ainda com a recomendação de que não perdesse a chance de conhecer o Palazzo Vitelli alla Cannoniera, que que é um dos cinco palácios da que a família Vitelli ergueu na cidade desde o fim do século quatrocentos até  a segunda metade do século 500.

É sede da Pinacoteca Comunale, segunda da Úmbria em importância e que conserva trabalhos de Lucca Signorelli e Rafael, grandes mestres ao lado de Michelangelo.

Cheguei à Igreja e entrei pela  porta principal que estava semi aberta, Lá dentro, num ambiente de muito esplendor, fiz minhas orações de agradecimento ao Pai e pasmado, fiquei admirando sua beleza arquitetônica, a disposição e detalhes da nave central e das laterais, a qualidade e característica das pinturas e afrescos e da sua grande altura.  O altar mor justificava a fama de sua grandeza.
       


                                                                     


                                                     

Imediatamente ao lado da Basílica há o Museu do Duomo, que infelizmente encontrava-se fechado naquele momento.Fiquei com vontade de esperar abrir, mas no momento como estava com fome , fui procurar um restaurante para comer,

Encontrei o La Comittiva,de agradável aspecto e cardápio variado, onde inevitavelmente predominam as massas.Acompanhada de um bom vinho,a pedida foi bem satisfatória. Fui muito bem atendido, não sei se pelo horário ainda um pouco cedo, ou se pelo fato de não ser italiano, sendo eu o único estrangeiro naquela hora.

Saí dali e fui tomar um expresso na praça central, chamada C. Mateotti,, de onde podia apreciar belos monumentos, como o Palazzo Comunale ,a sede do Banca di Umbria, de antiquíssima construção e o vai e vem das pessoas, com seus fortes sotaques e ainda ver que uma grande maioria de pessoas, velhos, jovens moças e senhoras, se locomove através das bicicletas,, motos ou scooters.

Em todas cidades visitadas a quantidade de bicicletas em uso,faz justiça a esse meio de transporte ou lazer barato e saudável.
                                                         

                                                              La cassa di Risparmio
Após breve descanso , fui em direção ao Palazzo Vitelli alla Camponieri,a Pinacoteca, que me fora grandemente recomendada por Maximiliano, de fama nacional e obra do renomado arquiteto  Angelo de Orvieto de 1338, assim como o Museu do Duomo de 1322.
Lá chegando, adquiri o bilhete de ingresso e me dirigi, segundo me orientou a atendente, para o pátio interno onde estão os jardins e de onde teria uma visão geral da imensa construção. As paredes laterais do prédio estão todas pintadas com afrescos antigos.                  
                                                                   Madonna in trono c'ol bambino-sec. XIII
                                                  Madona col bambino e due angelli- Santo Agostino e Girolano-1417
      

                                                      Il confallone della Ssma Trinittá- Raphaelo- 1500- 1502
       
Voltei ao interior, subindo uma grande escada de madeira maciça, chegando ao  primeiro piso, onde estão obras inacreditavelmente bem conservadas de famosos artistas como Rafaello,Giorgio di Andrea, Lorenzo Guiberti, Lucca di Signorelli, Francesco Tifernatta,etc.



                                                        Salão do piso superior com mobilia antiga

                                                                 Imacolatta Concezione-, Nicolo Circignani- 1573
                        Dominne,Quo vadis, Francesco Mancini- 1578
                                                             Battesimo di Cristo- Luca Signorelli, 1498
                                                             Assunzione - Rafaellino del Colle- 1540 

                                                            Escultura em bronze no pátio externo
                                                         
                                                                     Catedral- Il Duomo
                                                 
Encerrada a visita, fui visitar a espetacular  Il Duomo seguramente um dos mais antigos estabelecimentos da cidade, instalado sobre os vestígios da antigo templo dedicado a deusa Felicia, eregido por Plinio, O Jovem no século I d.c. No pavimento da cripta ainda é visível o perímetro do antigo templo.
Logo depois  fui à Igreja de São Francisco, cuja construção deu-se no início dos anos 300 e onde está guardada uma cópia do afresco de Rafael intitulada Sposalizio della Vergin além de obra do outro respeitado pintor Luca di Signorelli, com o quadro L'Adorazione dei pastori. duas obras fantásticas.

                                                        Sposalizio della Vergine- Rafael-1707

 Voltei ao Hotel para então assumir o quarto de nº 105,destinado a mim a a André. Deixei a mochila e os outros pertences e voltei ao sagão onde me envolvi em animada conversa com Maximiliano,o gerente  que demonstrou saber muita coisa sobre o Brasil e seus craques de futebol.

Aproveitei o tempo para acessar a internet e me comunicar com a família via facebook, aproveitando a facilidade do hotel que disponibilizou a senha para contato.Custou um pouco pois meu celular ainda estava mal configurado.

Mais tarde voltei á praça para mais um café e ao voltar, os colegas que caminharam estavam chegando, exaustos e famintos, depois de uma jornada de 34 quilômetros.

Os colegas, depois do banho e descanso, mal tiveram tempo para uma rápida circulada pelas redondezas, pois o jantar foi servido no grande salão anexo. Certamente foi um dos melhores jantares do caminho, que contou com a fineza de um buono raviolli e o rosso não faltou!
                                   
Acabado o jantar me juntei a uns quinze italianos que, num salão ao lado,estavam concentrados para o grande jogo das semi finais da Champions League contra o Real Madrid.
Para muinha surpresa todos estavam torcendo contra La Juve. Perguntei ao Maximiliano o porque disso e ele disse que todos eram absolutamente contra , sendo torcedores de outros times como Milan, Inter, Roma, etc. menos La Juve. Ao final a Juventus eliminou o Real, para tristeza dos tiffosi locais. Na partida final o  Barcelona derrotou o Juventus, sagrando-se campeão da League 2015.


Ao final do jogo e ainda uns copos de vinho tinto, fui dormir, ainda sem a certeza de caminhar no dia seguinte. Não ter caminhado e ter conhecido essa medieval cidade com seus monumentos, igrejas e sua  história foi fantástico.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagem em destaque

O Caminho de Assis- Itália

O Caminho de Assis, uma viagem pela Idade Média na Itália O homem medieval é o "homo viator ". Sua vida é um caminho percorri...