sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

A viagem

Sempre que ia ou vinha de Belo Horizonte para Vitória, ao passar pela divisa dos estados e ao avistar a imponente serra,pensava com meus botões que um dia iria caminhar por aqueles montes do Caparaó,  imponente cadeia de montanhas que abriga três dos mais altos picos do Brasil.
O tempo foi passando e resolvi ir neste verão contrariando a lógica, pois gosto mesmo é do frio.O calor na praia, a movimentação turística, o transito, o congestionamento, supermercados lotados, fila disso, fila daquilo....O visual é magnífico mas nas montanhas também é, então..... pé na estrada!

Convidei os amigos Ângela e José Pereira, andarilhos de boa qualidade e determinação, que não vacilaram e foram excelentes companheiros.
Saímos da rodoviária de Vitória ás 4.30 da tarde rumo a Irupi, ponto de partida do caminho que teve como destino a cidade mineira de Carangola.
Há muitos anos não pegava um ônibus tipo "cata-jeca" e de fato foi sofrida a viagem devido ás centenas de paradas aqui e ali.
Tipos mais variados de pessoas estavam presentes, os assuntos mais desencontrados possíveis. Crianças choramingando, mães amamentando, velhos reclamando do calor- 37ºC naquele momento- compunham o cenário e atores da viagem. Muito interessante!! Duas horas e meia até Venda Nova!! 
Pelas 9 da noite chegamos a Irupi , não sem antes passar por Iúna cidade de maior porte da região caparaolina do ES.
Em Irupi nos dirigimos até o Hotel Tok Real, sendo muito bem recebidos pela proprietária Rachel que, diligentemente se dispôs a fazer uma "janta" para três esfomeados. Enquanto ela preparava o repasto fomos até a pracinha tomar uma cerveja apreciando a movimentação das pessoas pela pracinha central.
Irupi (amigo leal e/ou águas tranquilas em tupi guarani) estava ainda com sua praça  da igreja enfeitada com luzes e árvore de Natal e muitas pessoas passeavam pelo local.saiba sobre Irupi
Após um farto jantar dormimos com tranquilidade, sendo acordados logo ao raiar do dia, por vigorosos e prolongados cantos de uns canários que pareciam encomendados a nos despertar.
Tomamos o café e partimos bem cedo rumo a Santa Marta, distrito de Ibitirama percorrendo uma acentuada subida em terra batida e muito poeirenta, que demorou quase uma hora.
Cansaço compensado logo depois por belo visual da região, plena de cafeicultura.
Temperatura agradabilíssima com ventos refrescantes do nordeste, ao dobrarmos uma colina, tivemos a grata satisfação de avistar de frente, os picos da cadeia do Caparaó, meio encobertos pelas nuvens.À esquerda o Cristal(2.770 m), no meio o Bandeira( 2.892 m) e á direita o Calçado(2.849 m)
O Parque Nacional do Caparaó, criado em 1961, devido sua grande beleza é um lugar que deve ser conhecido por todos amantes da natureza.veja aqui.
Como a região é favorável, a paisagem é dominada pelo coffea arabica e em qualquer lugar toma-se um excelente café, coado ainda com aqueles coadores de flanela!. As casas evidenciam o modo de vida, com sua arquitetura típica, seus terreiros de secar café e demais implementos inerentes ao cultivo.



Avançava o dia e pelas 10.30 h chegamos ao distrito de Pedra Roxa, de rara beleza e hospitalidade de seus moradores. Numa fazendinha antes da entrada, dois "retireiros" ordenhavam as vacas num horário completamente inadequado.

Pedra Roxa pelas informações é muito fria no inverno e seus moradores nos receberam com muito bom humor e curiosidade, uma vez que nunca imaginaram uns andarilhos malucos indo a pé até Carangola.

Paramos no Bar do Pité( o de boné á esquerda) e nos sentimos em casa, ao saborearmos uma cerveja e uma autentica cachaça da região. Contamos nossa história  provocando a admiração de todos e um deles( o Zé Luis ao centro com o braço erguido) meio embalado, afirmou umas dez vezes que:" isso que é vida! tem gente que tem dinheiro e não sabe aproveitar". Mal creditavam que estaríamos caminhando isso tudo.
Findo o descanso saímos caminhando agora por um asfalto recentíssimo, rumo a Limo Verde e no meio do caminho nos deparamos com a entrada para a Tecno Truta, importante criatório de trutas no alto da serra. Teríamos que subir acentuadamente 6 km e em razão disso, aceitamos de bom grado uma carona té o alto e lá nos deparamos com um cenário de rara beleza. Merece ser visitada!


Tomamos cerveja e degustamos uma truta assada com arroz e batatas. Posso dizer que foi dos melhores pratos que já provei.
Voltamos ao caminho para mais uns bons quilômetros, sempre no meio de muito cafezal, até que alcançarmos o distrito de Santa Marta, 28 km depois de Irupi.
O pernoite foi na Pousada Gravel de propriedade de D.Irene, muito prestativa e cordial.É uma pousada simples, mas muito acolhedora.
Tomamos banho e ficamos descansando até a hora do lanche, gentilmente cedido pela proprietária cujos filhos e sobrinho se esmeraram em fazer pães de cebola e manjericão. Um autentico café arábica da região, queijos, manteiga, presunto,etc, completaram o repasto.
À noite ficamos assentados na calçada jogando conversa com os moradores e um casal de BH com dois filhos que, do nada e encantado pela beleza da região, resolveram ficar alí pelas montanhas mais dois dias. 22.30 h fomos dormir num completo silencio.Pela manhã seguinte, outro bando de canários madrugadores se encarregou de nos acordar.
Tomamos café, ajeitamos a tralha e saímos rumo a fazenda Mundo Novo, passando por Limo Verde, num asfalto recém terminado.
O governo do Estado está asfaltando a região e  fatalmente perderemos o bucolismo das estradinhas de terra.
Dois km depois fotografamos a Cachoeira do Granito, que pela falta de chuvas, tinha pouca água.


Continuamos pelo asfalto com pouquíssimo movimento de carros e muitas motos rumo  a Faz. Mundo Novo, quando nos deparamos com a Pousada encanto da Serra. Com os portões abertos resolvemos entrar para conhecer e com satisfação fomos muito bem recebidos pelo casal Severino e Ângela.

Ofereceram-nos água e gentilmente nos mostraram sua pousada, que possui cinco suites de muito bom gosto, restaurante, parquinho para crianças, etc. 
Devido o forte calor do momento fomos convidados a tomar banho de cachoeira nos fundos da propriedade o que nos agradou bastante.
Finda essa mordomia, partimos para a Fazenda Mundo Novo cerca de 3 km depois. Chegamos descansados pelo banho de cachoeira mas com muita fome. Fomos recebidos pela D.Águeda, esposa de Antônio Faria que, aquela hora da tarde descansava.
Deixamos as mochilas  no casarão e logo fomos de carro almoçar no restaurante da Lucineide 500 metros adiante, onde saboreamos uma comida caseira de excelente sabor. Voltamos para a fazenda para um merecido banho e descanso. Abaixo o casarão de 127 anos de idade.
Anoitecia quando fomos apresentados ao Antônio Faria,homem de fibra que se dedica de corpo e alma ás lides da fazenda, tirando leite e fabricando excelente queijo tipo "minas meia cura". Tomamos café com pães e bolos preparados pela família e ficamos conversando sobre variadíssimos assuntos,pois Antônio possui vasto conhecimento geral, fruto de suas pesquisas e determinação em vencer os desafios, sem dúvida devidos à sua origem italiana materna, com o nome Zanni oculto na escritura. No momento fará a última sessão de quimioterapia e, se ninguém falasse, jamais saberíamos que faz esse tratamento, tal seu vigor e saúde.Contou de sua ligação com pesquisadores da Embrapa que ministraram curso sobre cogumelos em sua propriedade e que agora está colocando em uso   a dieta dos cogumelos na luta contra o neoplasma, com evidente sucesso.
Perto das 22.30h fomos dormir embalados pelos sons rurais de vacas mugindo, grilos estrilando e um ou outro barulhinho no teto, forrado de taquara de bambu e sanca de taboa. Muito original!
No dia seguinte mal clareou o dia o café já tinha sido preparado pelo Antônio.  Saboreamos  iogurte natural,geleias e queijos por ele preparados,junto de pães da roça untados de manteiga da melhor qualidade e devidamente empurrados por um arábica de fino aroma.
Saimos ás 06.15 h depois de sua orientação em tomar um atalho, subindo um morro á direita da estradinha, coisa que fizemos durante uns 50 m minutos por se tratar de acentuada e demorada subida. 
Deslizamos pela descida subsequente avistando um asfalto á direita por onde caminhamos uns quilômetros em direção a Pedra Menina, passando pelas cachoeiras belíssimas do Cambucá.


Continuando pelo asfalto de pouco movimento nos deparamos com uma encruzilhada que, à direita vai para Pedra Menina (assista aqui excelente vídeo sobre Pedra Menina.) e à esquerda numa estradinha de terra está Espera feliz, nosso destino.
Logo depois cruzamos a fronteira Minas/Espírito Santo, atravessando pequeno riacho de águas claras. À direita grande baixada com cultivo de milho,abundante ao lado da cafeicultura.


Sem muitos atrativos seguimos aquela baixada olhando e fotografando a bela paisagem até cruzarmos o asfalto que vai para Espera Feliz. Alcançada depois de seis horas de caminhada, E. Feliz é uma simpática cidadezinha mineira sendo a porta de entrada para o Parque Nacional do Caparaó.
Fomos direto para a estação rodoviária para que Ângela comprasse sua passagem de volta para Vitória, em função dos compromissos assumidos. Almoçamos nas redondezas e Ângela embarcou às 13.15 h rumo a Guaçuí e depois seguiria para Vitória.
Eu e José Pereira pegamos de novo a estrada em direção a Caiana, onde seria o pernoite.Na saída uma forte subida associada ao forte sol maltratou o físico e devagar fomos vencendo a distancia, sem muitos atrativos fotográficos.
Chegamos a Caiana, cidadezinha de poucos habitantes e pouco movimento ás 16.00 h suados e cansados, numa jornada de 30 km desde a Mundo Novo.
Um excelente e confortável Cristal Hotel nos proporcionou bom descanso e excelente jantar.
O calor estava forte e nos limitamos a descansar, não sem antes deglutir duas geladíssimas cervejas. Uma forte e providencial chuva aliviou o calor proporcionando alegria geral. Quarto limpo e a ausência de barulho de carros ou motos contribuíram para um sono reparador. Fotos abaixo da Igreja e da rua frente ao hotel.

Acordamos como de costume antes das cinco horas, pois o trajeto final rumo a Carangola teria 26 km e subidas acentuadas.Tomamos excelente café e na saída caminhamos por uma rua calçada para pegar  à direita no final da rua.Uma bifurcação nos deixou em dívida, logo desfeita por um madrugador transeunte .
Ali começou o caminho trilhado pelos andarilhos da Luz, só que fazendo o caminho inverso tivemos  a atenção redobrada.
Seguindo as setas do C. da Luz fomos percorrendo o antigo leito da ferrovia até uns 3 km para então virar da direita que iria nos levar á subida para pegar o trilho da mata. Este trecho dura umas  duas horas e é intercalado por paisagens belíssimas.

                                           
                          Passamos pela estação Ernestina e o túnel de pedra.
                                               
                                  
Fomos devagar aproveitando a hora fresca, subindo e descendo as colinas cobertas de imensos cafezais. Paramos a certa altura para hidratação e comer umas bananas e maçãs compradas na véspera.
Seguimos em silencio, contornando em subida uma grande lavoura e distraidamente, não vimos a placa do Caminho da Luz.
Subindo um pouco mais nos deparamos por acaso, com uma senhora moradora no alto da serra -Maria Aparecida- que surpresa nos informou que aquele não era o caminho. 
Voltamos depois de sua explicação e benção para que N S Aparecida nos acompanhasse e constatamos que, de fato, havíamos errado feio e não fosse sua providencial intervenção estaríamos meio perdidos. 

Descemos uma trilha esburacada e difícil de ser vista para quem está fazendo o caminho inverso. Atravessamos umas  cancelas de arame farpado cruzando em descida outro cafezal e um imenso bambuzal. Dali para a frente começou o caminho da mata trilhado por umas duas horas, com mato alto e muitos obstáculos.
Naquele lugar ermo longe de qualquer habitação, fotografei umas pegadas.
                         
Cinco horas depois de sairmos de Caiana estávamos no final do trilho da ferrovia, avistando a cidade de Carangola lá do alto.
                              Na estação final paramos para um lanche e descanso.



Descansamos um pouco e começamos a descida para Carangola, um percurso que demorou duas horas até a estação rodoviária, onde procuramos informações sobre horário de ônibus parta Vitória. Esse trecho, quente, seco e sem graça levou mesmo duas penosas horas. Chegamos ás 13.30 h na rodoviária sedentos por uma cerveja.
Alí permanecemos  por um bom tempo ouvindo a conversa de dois velhos matutos sobre o clima, as colheitas de café nos tempos antigos,a moda como se vestiam quando crianças e sobre os costumes dos jovens de hoje.São "esclarecidos" mesmo sobre os efeitos dos agrotóxicos nas lavouras e sobre a qualidade da água atualmente. Coisa de doido a conversa deles! na foto abaixo um deles aprece de chapéu. 
Fomos em seguida para o Hotel Central, edificação de uns 100 anos mas ainda em bom estado onde tomamos um quarto amplo e fresco. O calor lá fora estava danado!
No saguão do hotel fotografei alguns quadros de São João del Rei, minha terra natal e coincidentemente terra do proprietário.



Fomos almoçar num restaurante perto, saboreando um autentica comida de sabor mineiro, acompanhada de um trago da "Charmosa de Minas".
Voltamos para o hotel descansando até ás 18.00 h quando retornamos para a praça principal para apreciar o movimento e fazermos orações na Igreja de Santa Luzia.


Depois de uns refrigerantes e uma caipirinha num barzinho em frente do hotel,fomos dormir um justo sono.
No dia seguinte pegamos o ônibus da Águia Branca às 08.40, chegando em Vitória às 14.30. Viagem de matuto pois o ônibus para muito!
Foi uma bela jornada essa do Caparaó.



2 comentários:

  1. Muito bom o relato! Nota-se claramente a evolução da escrita e da forma de contar a história juntamente com as fotos. Esse foi um dos melhores que você já fez até agora. Agradável de ler e nem um pouco cansativo.

    Continue melhorando que, um dia, quem sabe, vira livro...

    Keep going far away!

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