quinta-feira, 24 de setembro de 2015

O Caminho de Assis- Itália

O Caminho de Assis, uma viagem pela Idade Média na Itália


O homem medieval é o "homo viator". Sua vida é um caminho percorrido em busca da perfeição, da salvação.A viagem que realiza na vida terrena, efêmera, visa a sua plena realização na vida celeste. Assim a vida parece ser uma viagem marcada pelo sofrimento, pela purgação e isso é especialmente relevante para o santo que é Francisco.

As peregrinações constituem uma das principais facetas do catolicismo no mundo ocidental. Elas estão presentes na cultura judaico-cristã e em pleno século XXI ainda exercem um papel relevante no processo de congregação de devotos. Assis é um grande exemplo

Acredito que apenas a peregrinação muçulmana à cidade de Meca na Arábia, tenha maior impacto, maior poder de congregar pessoas.

Não me assustam o desconhecido, as dificuldades físicas ou técnicas ou a falta  de informações ultra detalhadas. Me animam, de outro lado, a certeza de encontrar bons motivos para, enfrentando os obstáculos, saber lidar  com eles e de como supera-los, aplicando o aprendizado no cotidiano da vida.

São vários os motivos que levam uma pessoa a empreender uma peregrinação, ou por outro lado, a percorrer um caminho. No presente caso do Caminho de Assis,a minha formação católica certamente foi um deles, aliada á enorme carga histórica-cultural-religiosa  que a região percorrida carrega.

Durante o curso ginasial estudei, em História Geral, assuntos que vivenciei nessa jornada. Exemplo disso são a história dos "etruscos" povos que viveram na península itálica entre os rios Arno e Tibre, na região que hoje corresponde à Toscana, com partes ainda do Lascio e da Umbria. Segundo Wickipedia, provavelmente tenham se instalado aí entre os anos 1200 e 700 aC. Pura história! 

A minha ideia original era- e ainda é- percorrer o caminho de Santiago de Compostela, onde dezenas de milhares de peregrinos para lá rumam um todos os anos, em diferentes épocas, para percorrer o que se considera a "Meca" da peregrinação de cunho religioso/cultural de todo mundo ocidental.

Em razão do longo e cansativo percurso que seria despendido na Espanha, aliado ao desconforto em carregar a mochila por longos 30 dias, devido às dores na coluna lombar adquirido em caminhadas anteriores, a opção pelo Caminho de Assis me pareceu uma excelente ideia, tendo em vista a possibilidade de contratar o transporte das mochilas . Depois de restabelecido pretendo ir à Compostela

A Agencia Ultreya Viagens em São Paulo, proporciona essa e outras aventuras por terras estrangeiras e ainda outras aqui no Brasil e América do Sul

Estabeleci contato com a agencia em meados de 2014 e consultei alguns dos colegas mais interessados e com disponibilidade de tempo, para quem sabe, irmos para a Itália em 2015. Imediatamente e não foi surpresa, todos aderiram entusiasticamente à ideia.

Assim foram tomadas todas as providencias para fechar um grupo, proceder junto a PF a retirada dos passaportes e em fins de novembro estávamos todos devidamente preparados para a empreitada.

Para melhor identificação dessa histórica viagem e como de costume, confeccionamos  camisas alusivas ao importante evento, criando para isso o logotipo do que denominamos GRIES-Grupo Itália do Espíritos Santo.

Aqui não existe nada inventado, aconteceu mesmo. Lembranças são com novo acontecimento, nova viagem.Percorrer as fotos  das belas paisagens, do contato com o povo, das igrejas e monumentos de tirar o fôlego, da história, tudo volta à memória. Bom viajante é aquele que anota tudo. Os acontecimentos foram tantos que muitas coisas ficaram sem anotar ou fotografar.  Isso é como se reencontrar consigo mesmo.

"Daqui vinte anos você estará mais decepcionado pelas coisas que não fez do que as coisas que você fez. Portanto livre-se das bolinas. Navegue longe dos portos seguros. Pegue os ventos da aventura em suas velas. Explore. Descubra." Mark Twain

Histórico


Francisco de Assis nasceu como Giovanni di Pietro Bernardone em Assis, Itália, em 5 de junho de 1182. Seu pai era um rico comerciante de tecidos que viajava com frequencia, sobretudo para a França, de onde trazia a maior parte de suas mercadorias. Numa dessas trouxe de lá sua esposa, D Pica Bernardone. Francisco nutriu verdadeiro amor pela mãe

A sua grande relação espiritual com Maria, mãe de Jesus, é mais um sinal de seu profundo respeito às mães de todo mundo.

Já com seu pai, apesar de amor e respeito, o relacionamento não foi muito exemplar e tiveram muitas desavenças. Francisco teve um irmão que a história pouco fala.

Na sua juventude foi um líder sempre alegre e amante da música, frequentava banquetes, festas e adorava cantar serenatas para as moças.

A Itália na época vivia em sucessivas guerras e Francisco desse modo sonhou com honras militares, tendo por fim se alistado no exército de Gualtiere de Brienne, que combatia pelo Papa.

Quando esteve em Spoletto teve um sonho revelador: foi convidado a trabalhar para o Patrão e não para o servo. Em Assis dedicou-se ao serviço de doentes e pobres. Um dia,no outono de 1205, enquanto rezava na Igreja de São Damião, ouviu uma mensagem de Cristo a lhe dizer: "Francisco, restaure minha decadente casa".

O chamado, ainda pouco claro para Francisco, deu início à sua vida religiosa unindo-se à irmã Pobreza.

A Ordem dos Frades Menores teve início, com a a autorização do Papa Inocêncio III e assim mais onze companheiros tornaram-se pregadores itinerantes, levando Cristo  ao povo e à fé e penitencia.

A sede da Ordem,localizada na Capela de Porciúncula de Santa Maria dos Anjos, próxima a Assis, estava lotada de candidatos ao sacerdócio. Para suprir a necessidade de espaço foi aberto outro convento em Bolonha.

Outro fator interessante entre pregadores itinerantes foi que aos poucos dentre eles, tomaram as ordens sacras. São Francisco de Assis, por exemplo, nunca foi sacerdote e nunca estudou religião. Em 1212, Francisco fundou, com sua fiel amiga Clara, a Ordem das Clarissas.

Já em 1217, o movimento franciscano começou a se desenvolver como uma ordem religiosa e como já havia acontecido anteriormente,o número de membros já era tão grande, que foi necessária a criação de províncias, que se espalharam por toda a Itália e para fora dela,chegando a países como a Inglaterra.

Por um momento da história, Francisco renunciou à liderança da ordem e em sua ausência, os irmão criaram algumas inovações. 

Apoiado pelo amigo, Cardeal Ungolino, em 1221, Francisco de Assis apresentou a versão revisada de sua regra de Pobreza, Humildade e Liberdade Evangélica. Após algumas modificações, a regra foi aprovada.

A devoção a Deus não se resumiria em sacrifícios, mas também a dores e chagas. Enquanto pregava no Monte Alverne, nos Apeninos em 1224, apareceram-lhe no corpo as cinco chagas de Cristo, no fenômeno conhecido como" estigmatização".

Aí em Monte Alverne, estão simbolizadas, em afrescos importantes, todos os passos de importância de sua santa vida. Os estigmas não só lhe apareceram em todo o corpo, mas também foram fonte de sua grande fraqueza física, tanto que levaram sua vida dois anos depois.

Como autor do cântico "Irmão Sol", foi considerado poeta e amante da natureza. São Francisco foi canonizado dois anos após sua morte.

O papa Pio XII, em 1939 tributou um reconhecimento oficial ao "mais italiano dos santos e ao mais santo dos italianos", proclamando-o Padroeiro da Itália. ( Fonte Wickipédia)

O Caminho de Assis pode ser melhor visualizado neste site onde todas as informações estão absolutamente disponibilizadas.

A viagem

Os dias que antecedem uma viagem dessa natureza, propiciam um frenético desenvolvimento de idéias e planos. Eu começava os dias pensando em arrumar a mochila,sobre a melhor disposição  das roupas, o que levar, as coisas   imprescindíveis  ou supérfluas, se devia levar roupas  de frio ou não, etc. Muitas coisas passam  pela sua cabeça.

A Itália é  um país  de clima frio, mas durante o mês de maio, o clima é  suportável, pelo menos para quem  vive num país tropical como o Brasil. Decidi que não levaria roupas como quem vai para o pólo norte.

Minha dor lombo-sacra não me abandonava( tenho essa encrenca desde 2009)  e pensei seriamente sobre a conveniência de não ir para Itália. Em algumas noites anteriores à viagem, acordei sentindo pontadas danadas na coluna. 

Mas  como desistir de uma viagem com esse apelo? Fiz orações e consultas médicas  para procurar um meio de me sentir mais seguro na hora de decidir.Depois de vários dias em pensamento fixo, me julgando apto decidi, pois como disse Cora Coralina:

                           "Digo o que penso com esperança,
                                Penso no que faço, com fé.
              Eu me esforço para ser cada dia melhor, pois bondade também se aprende.
             Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar,
              Ir ou ficar,desistir ou lutar porque, descobri, no caminho incerto da vida o  
                              mais importante É DECIDIR!!        

Decisão tomada, comecei a  arrumar a mochila com a tralha característica do andarilho ou peregrino( sim porque entre andarilho e peregrino vai uma boa distancia. Este vai com objetivo fixo e determinado, enquanto aquele pode se desviar do rumo, tomando destino incerto e não sabido).

Tem a vantagem de conhecer lugares nunca dantes imaginados, mas corre o risco de se perder, ficar mais tempo em determinado lugar, ficar enfim sem compromisso com o seu destino).

Além da mochila, corrigi o pensamento, a alma, o corpo e o coração. Uma vez que não vou carregar peso durante o percurso, me dou ao luxo de colocar uma roupa melhor para um passeio a Roma, nos seus restaurantes , igrejas e museus.

Nas costas apenas a mochilinha com o essencial de cada dia. A caneca de alumínio, com seu tilintar característico, não podia deixar de ir.

                                 
Não estava indo em busca de alguma espiritualidade nesses lugares santos nos quais Francisco peregrinou, mas creio que passando por estes lugares, conhecendo de perto a obra do irmão, vendo in loco os sacrifícios pelos quais passou, talvez aprendesse a enxergar melhor o irmão necessitado, o doente, o abandonado, as obras de caridade nas quais, pessoas de maior ou menor poder aquisitivo, dedicam parte importante de seu tempo.

Penso que seja através da caridade que o homem se torna mais próximo a Deus. Uma boa ação é mais reconfortante do que uma pilha de dinheiro.

Francisco foi impulsionado pelo Evangelho, saiu da casa de pai rico para se envolver consigo mesmo, desenvolvendo uma paternidade espiritual sem igual em direção a São Damião porque havia ali ruínas e doentes leprosos. Enquanto caminhava lia trechos do Evangelho que animaram seus passos e impulsionaram seus desejos.

O vôo

A jornada começou com um grande atraso no voo Vitória-Guarulhos, pois um  temporal que havia caído, fechou o aeroporto por umas três horas. Isso motivou um enorme congestionamento de pessoas, cada qual mais estressada que outra. 

A TAM, espertamente, colocou-nos em stand by, negando-se a nos embarcar às 18.50 h conforme marcado, mesmo diante dos nossos fortes apelos mostrando inclusive que outros vôos estavam decolando.          


Eramos 21 pessoas com destino a SP, irritados pela desconsideração da empresa que, em determinado momento chegou a nos oferecer hospedagem aqui em VIX para embarque no dia seguinte. Recusamos peremptoriamente. Provamos que mesmo embarcando às 21 h daria tempo de pegar nosso vôo às 23.55 para Roma.

A TAM, certamente nos deu um previsível "tombo", em vista da( provável) pressão de outros passageiros lá em SP, ávidos para embarcar ou mesmo a pagar o exorbitante preço de até 10 mil reais por um assento.Dias antes havia acontecido um incêndio no Terminal 3 de Fiumicino e assim as coisas estavam embaraçadas demais. Depois de muito insistir- já com nosso vôo perdido-a empresa nos embarcou às 23.10 h e uma vez desembarcados em Guarulhos fomos transportados, muito contrariados, para o Hotel Mônaco, no centro de Guarulhos.

No dia seguinte, tiramos as horas de folga para conhecer o centro da cidade, ir a um shopping center, almoçar( por conta da TAM), descansar e após longa espera no aeroporto embarcamos  às 22 h para ROMA ,via Franckfurt. Uma grande volta. 
Já tínhamos perdido 24 horas de nossa programação,mas no moderno 777, a viagem transcorreu sem maiores  preocupações.

Após o jantar( acompanhado de um cabernet) procurei dormir, mas não foi fácil, pois dormir assentado não é do meu agrado. Chegamos ao belo aeroporto de Franckfurt após longas 11.30 horas no ar.

 Uma vez estabelecidos  esperamos algumas horas, aproveitando o tempo para um giro nas belas dependências, conhecendo os diversos setores e ainda um tempo para um autentico chope. 

Em Franckfurt o transporte dos passageiros para outro terminal se faz por moderno sistema de trens de superfície,rápidos e silenciosos.
Ficamos aguardando o embarque no moderno terminal, assistindo do alto a movimentação de carga dos diferentes aviões. Algum tempo depois embarcarmos num EMB 190(EMBRAER) da Alitália para Roma, viagem de umas duas e meia horas, onde com surpresa passei a ler uma revista especializada que estampava meu nome na capa!

Fiumicino fervilhava de gente quando chegamos.

Com a dificuldade instalada pelo fuso horário e ainda sonolentos, descobrimos que comprar os bilhetes do metrô nas máquinas automáticas não era tão simples assim.

O experiente José Antônio resolveu essa parada e então tomamos o primeiro  trem até o estação Términi e trinta minutos depois, estávamos arrastando as malas pela grande e movimentada estação à procura de um improvável restaurante aberto àquela hora da noite de um domingo.

Como tudo estava mesmo fechado, fomos em direção á praça rumo ao Hotel Valle, localizado a uns 800 metros dali, até pararmos num restaurante escolhido aleatoriamente,procurando entender melhor o sistema de oferta e procura estabelecido por vários concorrentes na mesma calçada.

Paramos num que nos pareceu menos complicado e que rapidamente pudesse saciar nossa fome.Um arroz marroquino com frango foi minha escolha, evitando assim a tradicional pizza, coisa absolutamente comum no meu dia a dia aqui em Vitória.

O local não era lá muito convidativo ou salutar. Dezenas de pessoas de várias partes do mundo perambulavam para lá e para cá,a maioria  deles de aspecto indiano e ainda muitos negros africanos. Não sei dos outros, mas súbito passou pela minha cabeça a probabilidade de um assalto! Acho que estive impregnado pelos acontecimentos desse gênero no Brasil, mas foi um momento de refeição tranquilo.Não houve nada a perturbar.

Um sorridente  garçom, natural de Bangladesh nos deu uma a devida atenção. Comemos rapidamente pois queríamos chegar logo ao hotel.  

Terminado o repasto fomos pela ainda movimentada avenida até o hotel, onde uma esbaforida e falante italiana nos atendeu, sem ao menos se importar se estávamos entendendo o que ela falava. Com um tom de voz alto e estridente parecia estar nos agredindo e houve quem ficasse muito emputecido com ela. Não houve jeito de amenizar sua fala e desajeitadamente direcionou cada dupla para os respectivos aposentos previamente reservados.

Antes de deitar liguei para Cristina, nossa guia, que de imediato falou que a van que nos transportaria, estava programada para chegar às 7 da manha. Isso já era 1 da manha. Ponderei que estávamos sem dormir por duas noites e que precisávamos de mais um tempo  para o descanso. Ela deu um pequeno desconto e conseguimosdormir um pouco mais.

Na manha seguinte Julio Cesare, o falante motorista, estava nos esperando na porta do hotel com uma reluzente sprinter. Após o parco café, servido num espaço que mal dava para a movimentação de meia dúzia de pessoas e junto de outros hóspedes de várias nacionalidades,numa confusão de línguas, colocamos as mochilas  na van e partimos para Caprese Michelangelo, pois a ida a La Verna já estava perdida em razão do atraso do vôo.
                                          La Verna vista da Beccia
Seria necessário um tratado para descrever a sensação que seria se hospedar num monastério que foi construído lá pelos anos 1290 por Conti Guidi Di Popi e é concebido como sendo o lugar onde Francisco recebeu as "estigmas".

La Verna  está a 954 m de altitude na região da Toscana, provença de Arezzo e possui aproximadamente 2.220 habitantes. Tem origem etrusco- romana e formou-se, na idade medieval, nos séculos XII, sobre o antigo percurso romano no traçado da Via Romana, seguindo sobretudo a rota de peregrinos de origem germânica que caminhavam a Roma num trajeto alternativo à Via Francígena. 

Monumentos  importantes:
Igreja di San Michele Arcangelo
Igreja di San Martino
Igreja di Sant'Agata alla Rocca
Santuário di San Francesco alla Verna
Igreja di Santa Maria

Infelizmente perdemos a chance única de conhecer esse maravilhoso lugar. Culpa da TAM!

Mas a viagem prosseguiu e eu na janela da van ia pensando: que bom que estava ali na Itália, indo para fazer exatamente aquilo que mais gosto: caminhar... e ainda mais  pelo interior. Afinal aí no interior está o verdadeiro povo e seus autênticos costumes. Queres conhecer um povo? Vá ao interior, e de preferencia vá a um mercado, uma feira e lá vais saber dos verdadeiros e genuínos usos e costumes do local. Eita! Lá íamos nós!
Para Caprese, a van tomou  uma saída por  onde ficamos conhecendo o  Estádio Olímpico, a Via Borghese, o rio Tibre e outros monumentos menos falados. Deixamos Roma para conhecê-la no final do caminho.

Após três horas de viagem por uma boa auto estrada e curtindo belas paisagens,inclusive da imensa cadeia de montanhas ao leste, por onde certamente andaríamos,chegamos ao minúsculo vilarejo de Caprese Michelangelo ( 1.620 habitantes), local onde dormiríamos e também encontraríamos o restante dos andarilhos que chegaram um dia antes.
                                   
Lá nos hospedamos no Buca de Michelangelo, confortável e agradável albergo, com hospedeiros gentís e simpáticos como a "nona", que gentilmente me ofereceu um "bichiere de vino rosso".               
                                               Uma típica "nona" italiana


Ali ficamos à espera dos demais membros do grupo que sairam em outros vôos anteriores ao nosso e que haviam partido de La Verna.Chegaram  mais tarde. 
                     
Caprese é o local onde nasceu o famoso( vale a pena ver esse link) Michelangelo Buonarroti, personagem mais que famoso em todo mundo. Alí está localizada a casa onde nasceu e também  o respectivo museu, infelizmente fechado por ser segunda feira.


                                                   Casa onde nasceu Michelangelo
                                Com os amigos em frente a casa de Michelangelo
             Uma paisagem da era medieval, com um passadiço característico
Uma vez instalada cada dupla  no seu quarto, esperamos o almoço, servido às 13 horas, constando de pasta e complementos. Necessário explicar aqui o sistema italiano de comer...pois em primeiro lugar vem o antipasto, depois o primo( a massa propriamente dita) e a seguir o secondo( onde é servido um prato de carne- geralmente de porco ou frango- maiale ou pollo) e por fim uma insalata.  

Para nós, acostumados aos nossos pratos tradicionais(e com fartura), foi meio decepcionante pois foi macarrão até o final do caminho! 
Regado com um vinho tinto, desceu muito bem essa primeira refeição, e além disso estávamos famintos.  

Mais tarde fomos até uma pequena mercearia local para comprar o lanche do dia seguinte, uma vez que durante o caminho não haveria parada para almoço, apenas jantar no hotel seguinte. Na pequena mercearia fomos muito bem atendidos, com a atendente se virando para entender o portunhol/italianês de todos.                                                        
Com o entardecer, bateu aquela sensação de paz e tranquilidade ao observar o horizonte que se delineava à minha frente. Vastas áreas cobertas de densa mata, colinas onduladas, muitas árvores e campos cultivados e, ao fundo, uma grande cadeia de montanhas que certamente haveríamos de percorrer no dia seguinte.
Fiquei ali observando atentamente os detalhes da construção das casas e demais edificações, admirando seu estilo arquitetônico medieval, tudo com base no uso de pedras de diversos tamanhos ,medidas e pesos.


Fica a dúvida sobre o tempo que foram construídas, se são realmente antigas ou se novas de estilo antigo.Em todas residencias o material usado foram as pedras, muito comuns na região. Me lembrei de imediato os filmes medievais italianos que assisti ao longo do tempo. Parecia que eu estava ali no cenário. 
Historiadores indicam que o Castelo de Caprese esteve sob dominação longobarda por volta de 568 DC.Em 1260 Conti Guido di Romena conquistou e tomou posse do território, mas por volta de 1324 depois de um assédio de três meses, o bispo di Arezzo Guido Tarlati tomou a cidadela.

Enfim as construções são mesmo antigas, mas muito bem preservadas, como de resto toda a arquitetura medieval que vimos na Itália e cujo maior cabedal está no Vaticano.                                          
                                     
Anoiteceu rápido e quando fomos jantar às 19.30 horas, meu relógio indicava que no Brasil eram 5 horas a menos . Ou seja, horário correspondente às 14.30 horas do Brasil, inadequado para um jantar. Mas não havia outro jeito e desse modo atacamos literalmente o  vinho e a pasta, acompanhados do pão italiano, o presunto e os queijos de excelente qualidade.
O vinho embalou o sono  e após um tempo  de vira pra lá e pra cá, adormeci favorecido também  pelo silencio reinante. De cansaço também.





1º dia- de Caprese MIchelangelo a Sansepolcro.


Amanheceu nosso primeiro dia de caminhada.A sensação de despertar no horário correspondente a 1.30 da manhã no Brasil não foi digamos normal, assim acordei meio "fora do prumo" mesmo tendo dormido por longas nove horas.
Mas estávamos alí para isso mesmo: levantar cedo, arrumar a mochila e caminhar. Seriam 28 km até Sansepolcro. 

Arrumamos as mochilas- a minha com pouco peso- pois o restante seria transportado pelo táxi contratado. O café foi servido com pontualidade às 06.30 h e foi bem aproveitado com o famoso presunto italiano, os queijos sensacionais, croissants, leite e café.

Fizemos as despedidas e saímos descendo a rua margeando a casa de Michelangelo, passando pela casa dos carabinieri, a igreja e logo o à frente a rodovia asfaltada, sentido nordeste, conforme apontava minha bússola.

No começo longa descida e, como era o primeiro dia, estava visível o entusiamo da turma. Em fila indiana, com nossa guia  Cristina à frente, fomos percorrendo a estrada ladeada por muitas árvores. À nossa esquerda iam ficando para trás a imagem e as medievais construções do bucólico vilarejo.

Logo á frente saímos do asfalto e pegamos uma estrada de terra que mal cabia uma carroça, mas de piso firme.

Mais uns quilômetros andados tivemos que escalar e descer uma grande trilha, íngreme e bruta escavada pela chuva, que corria por baixo de uma linha de transmissão de energia.


Tivemos muito cuidado em transpor esse local, pois qualquer deslize e um tornozelo torcido poderia comprometer o restante do dia. 
Observei que  as montanhas ao redor eram como que as bordas de um imenso prato. Caminharíamos ao longo dos dias por esse imensa borda, com o vale ao centro.

                                 Estas belas coníferas estão prentes em todo o caminho

                                         
                                      Torre de observação de incêndio


 
Intercalando asfalto e terra, caminhamos por bom período até que por volta de 12 horas paramos sob um grande arvoredo para saciar a fome e descanso.


Reiniciarmos a caminhada descendo  a trilha até o asfalto para Sansepolcro e dali passamos a caminhar no belo vale do Tevere. Trata-se de grande planície, com campos cultivados e muitas áreas já preparadas  esperando certamente melhor época para o plantio.Notamos que a maioria dos riachos estava com pouca água e muitos deles completamente secos. Alí, como no Brasil, a falta de chuvas estava castigando os agricultores.

A economia daquela região da Toscana pode ser observada pelas variadas máquinas agrícolas presentes e seus usuários em labuta sob o forte sol.Pessoas que pareciam ser os próprios donos da terra debruçavam-se sob o solo como que analisando as possíveis correções a serem feitas antes de um imediato plantio.






                             
Pelo meio da jornada, sob um sol bastante quente, cruzamos uma ponte sobre um grande lago,e logo a seguir dobramos à direita numa forte subida passando por pequenas propriedades rurais, mais parecendo  sítios de lazer e num deles fomos aquinhoados pela proprietária com fresca água para nossos cantís.


                                                           
banco em ferro fundido, cm desenhos em relevo na entrada do sítio.   


Outra observação que fiz foi a constante presença de grandes blocos de "feno" nos campos, devidamente enrolados e secos, prontos para uso. Acredito serem destinados à venda pois a presença de gado bovino na região é ínfima, pois em todo trajeto vimos pouquíssimos bovinos.
  


Alem disso, as laterais da estrada percorrida são sombreadas por imensos arbustos carregados de flores de uma espécie bonita e perfumada, tendo ao lado, campos com uma vegetação baixa e uniforme.

Neste local numa imensa reta, vi pela primeira vez um campo de papoulas ao lado de imensos trigais. Uma outra plantinha rasteira que observei e depois fui pesquisar chama-se "guado"(foto abaixo) e é um multisecular cultivo de onde se extraiam uma tinta que dava tonalidades do verde ao azulado. Essa industria de tintas já estava presente na região desdo os anos 1300.No começo do século vinte foi substituída pelos corantes industriais, bem como pelo cultivo da amoreira, para a criação do "bicho da seda."

                               File:Isatis tinctoria Sturm28.jpg 
Ao final da grande e interminável reta, chegamos ao asfalto que dava acesso a medieval cidade de Sansepolcro e antes dela, cruzamos com essa cidadela(abaixo) também medieval, localizada no alto de uma colina, cena típica das cidades de antigamente, construídas no alto para se protegerem dos inimigos.


Na entrada para Sansepolcro, no cruzamento de duas rodovias, paramos num movimentado posto de gasolina para descansar e saborear umas cervejas, já que o calor estava forte e a cidade estava dali a uns dois quilômetros. Picolés e sucos também foram avidamente consumidos. Uns 20 minutos de descanso foram suficientes e então prosseguimos pela lateral da movimentada estrada até alcançarmos a entrada da cidade. 


Foram 28 quilometros percorridos em 8 horas por um belo trajeto da provinicia de Arezzo,na Toscana. Sansepolcro( 16 mil habitantes), antigamente Borgo del Santo Sepolcro, estava ali, com sua grande e famosa Porta Fiorentina nos esperando para uma foto fundamental.






Adentramos a secular e intra-muros cidadela observando as pessoas e suas edificações rumo ao Albergo Fiorentino, localizado nas imediações. A rua por onde entramos- e por consequência as demais-é típica dos filmes de época que assistíamos quando mais novos -estreita e meio tortuosa, mas absolutamente limpa e bem cuidada.

Alguns veículos e muitas bicicletas circulavam pelo local. Um leve burburinho ouvia-se por entremeio as casas e lojas.Coisa de italianos em franca e acalorada discussão.


No Albergo encontramos uma simpática hospedagem, onde um italiano de nome brasileiro Adelson, atendeu-nos  em perfeito português, pois morou por três anos em São Paulo. Cada dupla foi para seu quarto e após um reconfortante banho saimos para conhecer a incrível cidadela. 
                                                                

Os amigos foram por aqui e alí conhecer o lugar,  enquanto eu fiquei absorto em meus pensamentos sentado numa elegante cafeteria tomando uma cerveja, apreciando o movimento e raciocinando sobre a minha dor lombar.Minha carga da mochila não estava devidamente de acordo com o ideal e uma leve dor me incomodava.
                     

Nesses momentos pensei em muita coisa: meus familiares tão longe no Brasil e eu ali numa cidade longínqua no meio da Itália,na sensação agradável de estar vivenciando um momento nunca avaliado antes: como poderia eu pensar que em algum dia da vida estaria em Sansepolcro, que nunca havia ouvido falar, olhando aquelas construções seculares e pensando o quão difícil teria sido a vida para os habitantes da época que, sem energia elétrica, água encanada, sem sistema de esgoto, as doenças, como tiveram que se virar para fazer as refeições do dia a dia, o sistema de ensino, o medo da autoridade estabelecida, a vida fora dos muros da cidade, o sistema de distribuição e compra de alimentos,enfim.. devem ter passado por muitas dificuldades na vida. 

Passados uns trinta minutos, terminei a segunda cerveja, peguei minha câmera e fui fotografar alguns dos mais belos monumentos do local, uma vez que o tempo era curto e não daria mesmo para ver tudo. 


Não há como colocar nesse simples relato, todas as fotos de uma cidade histórica como essa. Seria necessário um "book" para retratar todos o monumentos, igrejas, edificações, museus, etc. Como isso é absolutamente impossível me limito a colocar algumas fotos mais interessantes e personagens marcantes da cidadela.

Os mais interessantes são o  Museu Cívico de Sansepolcro, Museu della Resistenza, a Chiesa de Sanfrancesco,a de  Sant'Antonio Abate
Sansepolcro-San Francesco.jpg      Sansepolcro-Antonio Abate.jpg

                                   


Acima o "Paradiso dei Capuccini", de Paolo Piazza(1508) na Igreja de San Michele Arcangelo.


Das coisas que mais me atraíram nesse périplo medieval italiano, destaco os portais das igrejas, as portas em geral ,as janelas, os brazões e as aldravas das portas. As igrejas em si são um caso especialíssimo à parte, tal a beleza estrutural com que foram construídas e adornadas com imagens, afrescos, esculturas,etc.                             
Também pudera, o Renascentismo foi o período mais rico da história da cultura ocidental e se deu todo na Itália, onde mestres famosos nasceram e lá implantaram suas obras primas.

   

                        Em todas as portas existem belas aldravas como essa



A estátua abaixo é de Luca Pacioli, frade franciscano, matemático e economista que foi colaborador de Michelangelo. Publicou  a "Summa De Arithmética, Geometria, Proportioni e Proportionalitá e della Divinna Proportionie, demonstrando toda sua capacidade intelectual.

                                            

            
           

          





Ao final do dia, visitados os mais diversos monumentos históricos possíveis, voltei ao albergo para encontrar os amigos e prepararmos para o jantar, num restaurante ao lado do Fiorentino. Como se tornaria hábito, veio o antipasti, o primo e o secondo.Tomamos vinho para comemorarmos o primeiro dia de caminho e voltamos para dormir.

Dormi confortavelmente, entretanto acordando de madrugada pela dor na lombar, motivada também pelo colchão mais macio que precisava.
Ali, na hora mesmo, resolvi que não caminharia no dia seguinte para preservar a coluna para os dias seguintes.


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