quinta-feira, 24 de setembro de 2015

4º dia- De Pietralunga a Gubbio.

Na noite anterior, nosso companheiro João José de Miguel, expert para assuntos turístico-religiosos-culturais, comentou comigo que haveria uma festa imperdível na cidade de Gubbio. Tratava-se do "Corsa dei Ceri", uma quase milenar solenidade que homenageia a vida de Dom Ubaldo Baldassini,  canonizado como "protetor de Gubbio.

A véspera de seu aniversário de morte, 15 de maio, é marcada por uma espécie de procissão conhecida como a " Corsa dei Ceri"- uma corrida dos santos.

Combinamos uma carona no Nissan Juke que o amigo José Antônio alugara  e logo após o café da manhã,colocamos nossa bagagem no carro  e saimos  rumo  a Gubbio, enquanto os demais colegas se puseram a caminho.

A viagem de carro, tranquila e sossegada pelas eficientes pistas italianas, transcorreu sem muita pressa pois haveria tempo suficiente para percorrer os trinta e poucos quilometros até Gubbio.
                                           
                                                  
Chegamos à cidade já percebendo um grande afluxo de veículos, e esse congestionamento
acabou dificultando nossa passagem, o que motivou procurarmos um estacionamento um pouco mais longe.Ali mesmo, uma majestosa estátua de São Francisco e o lobo, foi nosso primeiro clique.
                                           
   
Nosso passeio pela charmosa Gubbio começou pelo magnífico complexo da Piazza Grande ( datada do final do sec. XV, também conhecida como Piazza lessa Signorina, que engloba os palacios públicos  e ex sedes de magistraturas civís: Palazzo dei Consoli, majestoso conjunto gótico concluidopor volta de 1340 e casa hoje do Museu Cívico, além do Palazzo del Podestá( Camara Municipal).

Na cidade existem seis portões que levam para fora da cidade e o muro existente foi construído  no século 13 estando ainda intacto. Aproveitei para fotografar muitas portas e portões que ainda conservam a madeira  antiga, numa demonstração do preciosismo com que os italianos conservam  seu valioso patrimônio.                                 

Logo pelas 10h  passamos pelo Hotel San Marco, nossa hospedaria localizado bem defronte a uma grande praça onde desponta a magnifica Igreja de São Francisco. Ali observamos construções medievais imensas e estátuas especiais de figuras importantes do lugar.
                                 
Subimos uma rua estreita e movimentada, ladeada de muitas lojas e restaurantes típicos, com  todos os prédios medievais adornados com bandeira de diferentes cores das equipes da corrida, amarelas, azuis e pretas, assim como as pessoas - velhos, jovens, mulheres e crianças - estavam vestidas com as cores do seu time.


Numa cidade fantásticamente antiga como essa, a ocasião favorece o turismo e assim as ruelas apresentam  lojas apinhadas de gente à procura de souvenirs e lembranças. As coleções desses objetos encantam pela originalidade e finura com que são confeccionados. Predominam sobretudo, os temas medievais, de variados aspecto, bem como peças de vestuário.




Ah!!!, e as portas e portões que adornam os casarões e igrejas? São incrivelmente belos e poderosos!. alguns me pareceram realmente antigos, tal a condição do madeirame existente, outros, mais bem elaborados e trabalhados refletem, na forma e aspecto o que foram em outros séculos.
                                                           

 Chegamos a uma antiquíssima edificação  onde, ao que parecia, estava acontecendo a "concentração" das equipes da corsa.  As  pessoas, notadamente os mais jovens, em evidente maior número, estavam totalmente encarnados por assim dizer, no espírito festivo, tal qual imagino, há seculos atras.


A começar pelo cenário- parecia  um filme de Fellini-com as seculares casas naquele incrível estilo arquitetônico, as ruelas estreitas e tortuosas apinhadas de gente vestidas à caráter.
Aproximamos  de um grupo de belas  moças ,alegres e risonhas, que para nossa surpresa não se fizeram de "difíceis" e com meu italiano de forte sotaque mineiro , aceitaram fazer a foto que abrilhanta essa narrativa.
                                 
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Dali subimos mais uma íngreme  ladeira, calçada com as tradicionais pedras lisas e regulares, características da região, até alcançarmos a tradicional Piazza Grande, local do início do evento. Esta, pelos meus cálculos deve medir uns mil metros quadrados, ou um pouco mais, ladeada pelos já mencionados edifícios e em cujo centro está fincado um belo mastro.

Do alto desta praça tem-se uma bela visão dos arredotes da cidade, onde o amplo vale se destaca pela beleza paisagística, despontando sobretudo o típico casario medieval perfeitamente conservado.

Ao fundo da Piazza, destaca-se o Palazzo dei Consolli. uma construção de 1332 a 1349 que foi o primeiro edifício a possuir água corrente usada para alimentar uma fonte interna. É sede do museu cívico e da pinacoteca da cidade.                                      
                                 
                                     
Circulamos um pouco pelas redondezas,conhecendo e fotografando as principais obras e edificações,chegando inclusive a vislumbrar, por uma grande porta entreaberta do Palazzo, os imensos "Ceri, as  estruturas que serão objeto da" procissão" e em cujo cimo vão as estátuas dos santos. Os Ceri são como imensas "velas".                            

Logo a seguir nos instalamos nos locais mais adequados, pois à essa altura já era grande o afluxo de pessoas para ao início da festa que começaria  às 12 horas. Ficamos, eu e JA, bem perto do prédio de onde os  " ceri" sairiam em direção ao mastro central da praça. João ficou um pouco mais afastado, na lateral. A procissão pelas estreitas ruelas de Gubbio inclui a presença de estátuas de São Ubaldo, São Jorge e Santo Antônio, montadas sobre imensas estruturas de madeira, em forma octogonal, e içadas sobre uma pesada estrutura de madeira em forma de " H ",por cada equipe de "cerioli", vestidos respectivamente de amarelo,azul e preto.

                       


Passei a observar a todo instante, o movimento geral e o modo como os personagens do evento se comportavam. Pais carregando seus filhos menores no colo, mães com filhos maiores correndo, crianças e jovens, todos vestidos com as cores amarelo, azul e preto, foram preenchendo os espaços de maneira tal que,  em certa hora, ficou impossível dar um passo para qualquer direção. O jeito foi procurar o melhor angulo para fazer as fotos e apreciar o momento da descida do ceri e sua alçada.


                           
Então  o momento espetacular acontece ao meio dia, quando  ao soarem as trombetas nas escadarias do Palazzo, descem as equipes portando os imensos ceri, encimado pelas imagens dos santos e as três equipes ficam alinhadas ao lado do mastro.
                                               


                               festa_ceri_gubbio
                           
Em cada equipe uma pessoa fica  de pé sobre a haste horizontal do H de madeira segurando um vaso alusivo ao seu santo e que, em um determinado momento é atirado para a multidão espremida ao redor, que procura pega-lo sem que se quebre e esse é momento em que o Ceri é empinado e assim começa uma estranha corrida em que cada equipe dá três voltas no mastro e dali partem para a corrida pelas ruas da cidade.A multidão  vai se afastando para as laterais e  os "ceri" passam rápido e se as pessoas vacilarem são atropeladas.

Tomei emprestado no you tube esse filme apresentado aqui  para que tenham uma ideia da grandiosidade do evento.

De fato é  uma coisa de doido a correria do pessoal que carrega aquela estrutura toda pesando perto de 300 kg. Eu ali espremido no canto, fiz o que pude para filmar e fotografar tudo, mas confesso que fiquei com os braços doloridos pelo tempo que passei com eles para o alto segurando  minha câmera e o celular.
                                                                 
Uma vez de volta à Grande Piazza,eles tornam a dar mais três voltas pelo mastro e acabam na frente da Porta dell'Angelo, onde a subida do Monte Ingino começa. Os ceri são então armazenados na Basílica de Santo Ubaldo, enquanto as estátuas  dos três santos são trazidas de volta para a cidade em meio a um cantar de uma procissão de velas.

Uma melhor informação sobre essa  festa típica medieval pode ser vista aqui. Seria muito longo descrever todas as coisas incríveis que assistimos. Penso que qualquer narrativa não terá a dimensão real do acontecimento, pois essa é uma das poucas festas na Itália em que as pessoas, no caso os eugubinos, fazem para si e não para os turistas. Acho que só eles compreendem seu verdadeiro significado.







Encerrada a corrida dos ceri, continuamos nosso percurso por ruelas ainda desconhecidas,  admirando a beleza arquitetônica das edificações, totalmente enfeitadas com as cores  dos santos. Uma multidão incalculável circulava por todas direções, numa mistura incrível de linguagens européias. O afluxo de turistas era uma prova da universalidade do evento.
                                                                     
A festa ainda estava começando, pois logo a seguir assistimos mais uma corrida,  onde se dá  a descida dos ceri da porta de São Francisco.. É precedida  por  três cavaleiros ricamente vestidos e portando trombetas  para avisar a multidão que nova "Corsa" estava começando.
Foi nesse momento que percebi o perigo de uma pessoa ser atropelada pela multidão  que, desordenadamente, desce atrás do ceri em desabalada carreira.
       
Um pouco mais tarde, começou uma procissão, com a imagem de S.Ubaldo sendo carregada  pelos homens das três equipes  e dali partiram para subir o monte onde está  a Igreja de S Ubaldo. Esse monte tem só  900 m de altura! E vão a pé!
Chamou minha atenção o garbo e a fineza das vestes dos carabinieri que acompanham a procissão.
                                                               
Mais tarde, terminada essa procissão, almoçamos pelas redondezas e voltamos ao hotel onde encontramos os colegas que  haviam saido de Pietralunga pela manhã. Ali no saguão, as mochilas aguardavam seus respectivos donos que imediatamente se dirigiram as seus quartos. Os aposentos do Hotel San Marco são amplos e agradáveis, mas o grande numero de turistas não permitiu que eu trocasse de quarto, que estava localizado anexo a uma barulhenta avenida.
                                                                       
Descansei um pouco e passei a escrever as notas desse diário,para que, no meio de tantas emoções e acontecimentos, pudesse ser o mais fiel possível na narrativa. Assim que escureceu fui até a Igreja de São Francisco, na praça ao lado do hotel e fiz minhas orações para todos familiares, especialmente para meu filho Gabriel que aniversariava justo nesse dia 15. Passei  numa farmácia e comprei um interessante produto para aftas- um mal que me persegue há décadas- e ainda adquiri dois pacotes de cerotti , um emplastro semelhante aos que existem no Brasil, só que muito mais eficiente por conter um potente anti-inflamatório. Esse produto aliviou as dores lombares no restante do meu caminho de Assis, de modo que pude caminhar sem problemas á partir de Valfábrica.                                                  
                                            
Voltando da igreja ficamos ali pelo saguão à espera do jantar que, invariavelmente constou da tradicional  pasta, que somado ao pão italiano e ao excelente vinho rosso, contribuiu para alívio da fome. Na verdade eu estava a fim de saborear outro tipo de,comida e arrisquei, junto à simpática garçonete, um pedido,inédito de um caldo de capeletti. Não é que veio??e depois o repeti, para espanto dos colegas.que  conforme disse a simpática, foi uma deferência especial, O salão-refeitório do hotel traduz com bastante propriedade, pelo estilo arquitetônico, o ar medieval predominante na cidade.                                                    
                             
Já com o sono chegando cada qual procurou sua cama e eu, que estava num quarto desfavoravelmente localizado junto à rua , dormi muito mal, agravado pelo diacho do colchão muito macio. Isso não é bom para quem tem dores lombares.




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