terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O Prato Feito


O PF (Prato Feito)

Não sei se posso generalizar a questão, mas pergunto: quem não comeu alguma vez na vida um PF,o tradicional prato feito?

Penso que todos  que foram estudantes, morando fora de casa, em pensões ou repúblicas, em algum momento tiveram que encarar um prato feito, seja por necessidade financeira,curiosidade ou mesmo a pedida de ocasião quando não havia outra alternativa.

No meu caso foram muitas, inúmeras vezes que optei por essa exclusiva e típica modalidade de alimentação brasileira. Só não conheço a região norte do país, mas penso que lá também o PF faça parte do cotidiano de bares e restaurantes.

Rebusco a memória e o pensamento volta aos idos 1965 quando meu pai me levou junto com o grande amigo Carlos Fagundes, médico recentemente falecido, a Belo Horizonte para cursarmos o 3º ano científico no Colégio Arnaldo (CA), secular instituição de ensino onde grandes figuras políticas do passado tiveram assento.

Lá chegando, fomos direto à secretaria do Colégio sendo recebidos pelo P. João Batista reitor e diretor da casa, pertencente à congregação SVD-Societas Verbum Divinum.

Alemão de estirpe, assim como a maioria dos outros padres professores, o P.João Baptista foi prático e decidido, aceitando-nos como alunos depois de ver nossos currículos e verificar nossas aptidões, numa simples conversa conosco e com meu pai. O CA situa-se na confluência de grandes avenidas: Brasil, Bernardo Guimarães, Bernardo Monteiro, Carandaí e à sua frente, a Av.Pasteur.

Dalí saímos para procurar onde morar e a primeira opção foi perto do Colégio,numa casa da Av.Brasil pertinho da Praça Tiradentes onde ao lado e até recentemente, funcionava o curso de inglês MAI- Modern American English. Fomos recebidos por educadíssima senhora que nos mostrou o único aposento disponível, que recusamos de imediato dadas suas reduzidíssimas dimensões. Ela ainda nos informou que o CA recebia estudantes para moradia.

Voltamos ao P. João para checar essa informação e ele imediatamente nos informou que o único quarto disponível era o que ficava na torre da Av. Carandaí. Fomos lá ver e apesar de ter um acesso tenebroso, era amplo e claro tornando-se nossa melhor opção, já que para assistir às aulas era só descer três andares.

À tardinha saímos com meu pai para conhecer a grande metrópole. Descendo Carandaí e a Afonso Pena, fomos caminhando até a antiga Feira das Amostras, interessante local tipo museu mineralógico e onde hoje está a construída a Rodoviária.

Retornando pelas ruas adjacentes fomos apreciando o movimento e o intenso vai e vem das pessoas, dos carros e dos notáveis troleibus ou ônibus elétricos, tipo de veículo que nos impressionou por ser a primeira vez que víamos carros elétrico e pela ausência total de barulho.Imensos e rápidos logo nos acostumamos a eles com o passar do tempo. Pena que tenham sumido de circulação, presumo devida a pressão dos donos de ônibus.Azar da sociedade!

Escurecendo fomos surpreendidos por meu pai que, a certa altura, parou e disse que”ali não era lugar para nós”. Percebera que estávamos em plena zona do meretrício da Av. Santos Dumont. Algumas damas haviam se aproximado se oferecendo a nós. Me pai muito sem graça agradeceu e nos afastamos impressionados.

Eu e Carlos,  jamais tínhamos visto tantas mulheres ditas “putas”.Tempos depois nos dois voltamos lá, só para conferir! Conferir mesmo  não, isso foi na Zezé, casa chic da Chateaubriand com Contorno

Papai muito sem graça rapidamente desviou o caminho e voltamos para o CA onde nos estabelecemos. Pe. João deixou meu pai dormir lá aquela noite ao saber que ele iria viajar de volta na manhã seguinte e  assim passamos a primeira noite na cidade grande, apreciando suas luzes do alto da torre do nosso quarto. 

Amanheceu e papai voltou para Três Pontas e cabia a nós, eu e Carlos nos virarmos sozinhos na cidade grande.

Não tínhamos ainda entabulado nenhum contato com os outros estudantes que também moravam no CA e pela hora do almoço quando a fome apertou saímos descendo a Brasil procurando um restaurante que tínhamos visto na tarde anterior, perto do MAI.

Na esquina da Brasil com Rio Grande do Norte havia um restaurante que servia refeições avulsas e onde os motoristas do “Avenida”( ônibus que descia a Afonso Pena até a Feira das Amostras) faziam seu ponto de almoço.Os ônibus tinham seu ponto final na esquina  da Rio Grande do Norte com Afonso Pena, ao lado do Instituto de Educação.

Em frente o ponto final localizava-se o supermercado “Camponesa”, local onde eu ficava babando os presuntos e queijos curados, prometendo a mim mesmo que depois de formado e com grana suficiente, compraria aqueles tipos toda semana.

Apresentamos-nos ao proprietário- Marcio- que de muito boa vontade nos acolheu e disse que poderíamos ali almoçar diariamente, pois sendo alunos do CA seríamos muito bem vindos. Pagamento sempre ao final do mês. Que diferença!!!Que coisa inacreditável hoje em dia!!

Vá algum garoto nos dias atuais se apresentar a um comerciante de cidade grande e do nada, sem referencia, vê se o dono do restaurante se abre dessa maneira.! Não tenho a menor dúvida que será visto com desconfiança e para se alimentar será informado que comida só a kilo e pagamento em dinheiro vivo ou cartão de crédito.

Alí naquele restaurante fizemos nossas refeições por mais de um ano, sempre bem tratados e estimados por todos. Marcio e demais funcionários especialmente a Cecília, nos tinham em grande consideração.

Ela era uma negra forte de alva dentadura, voz rouca e sorriso fácil que nos tratava como filhos. Na ocasião eu tinha 17 anos e era franzino (como sempre fui), mas sapeca e animado. Ela caprichava no meu prato dizendo que eu precisava engordar. Carlos era dois anos mais velho, mas ambos tínhamos caras de meninos do interior mesmo, daí gerou a apreço e estima da Cecília.

Alguns motoristas do “Avenida” tornaram-se nossos amigos e  tempo depois os convidamos para jogar futebol conosco aos domingos no campo do CA.
Hora do almoço! Fome danada! Não havia filas e ou caras do Avenida guardavam nossos lugares, pois impreterivelmente às 11.30 chegávamos.

Cecília já sabia do nosso gosto e logo que ocupávamos nossas cadeiras perguntava: carne de boi, de porco ou linguiça? Era só escolher e num instante  lá vinha ela trazendo um prato feito em cada mão.

Era um prato composto de arroz, feijão, macarrão, alface com tomate e a carne escolhida. A farinha de mandioca branca, a pimenta, o sal e o vinagre ficavam disponível na mesa, forrada com surradas toalhas encardida porem limpas. Um litro de água completava essa fartura.
O detalhe era que, como o prato vinha transbordando de tão cheio, o dedão polegar dela invariavelmente vinha mergulhado no feijão!Brincávamos com a galera perguntando se alguém tinha visto a Ciça lavar as mãos aquela manhã. Bons tempos!!

Estamos em 2013, quarenta e oito anos depois em Guarapari, durante o carnaval. Como os horários se perdem com a folia, as refeições ficam sem hora definida.

Ontem no almoço fui ao Sabiá  comer um PF á "La Cecília": frango ao molho pardo com angu, arroz, feijão preto, macarrão, farinha, pimenta, alface com tomate separados numa tigela á parte e água.

Comi como nos velhos tempos, lambendo os beiços. Lembrei-me da velha Ciça. Antes tomei uma pinga para o Peebles, apelido que dei ao meu caro amigo Carlos Fagundes, centro avante artilheiro do nosso time: o Peñarol Esporte Clube, sete vezes campeão em Três Pontas.
O apelido do Carlos é tema para outro post, remonta a Boa Esperança, cidade vizinha de T.Pontas

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