quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Minha viagem ás Missões gaúchas-3ª Parte

A alvorada como sempre foi ás 6 horas. Totalmente escuro o corpo se recusava a sair daquela quentura, pois o tempo lá fora estava frio. Arrumei rapidamente a mochila que, a essas alturas já estava uma bagunça. Tinha roupa suja misturada com limpa e a desorganização lá dentro estava feia. Enfiei as roupas mal dobradas na mochila, calcei as botas impermeáveis, vesti minha roupa especial da Trilhas e Rumos para chuva e fui tomar café.
Terminada aquela quente refeição, despedimo-nos do pessoal e colocamos o pé na estrada.
Estava um vento frio e cortante. Valeu muito nesse inverno gaúcho o abrigo Parka que comprei, pois possui gola alta com velcro e protegeu totalmente contra o vento e o frio.

Caminhamos juntos por alguns km e logo apressei meu passo. Andar rápido ou não é uma característica individual e eu a exerço. A paisagem gaúcha continua a mesma, grandes horizontes, poucos pássaros e nenhum animal  não ser bovinos e ovinos.

Ah.. e os indefectíveis cachorros. Cada casa tem pelo menos uns 3. Mas até agora nenhum deles nos  atacou. Uns 7 km depois chegamos à casa de D.Preta, para apoio de água e para as meninas irem ao banheiro, etc. casa muito simples, de madeira, mas acolhedora. Esta é um tipo de construção comum no interior gaúcho e na verdade por entre as frestas das tábuas penetra um vento gelado.  Fiquei pensando em como as famílias mais pobres suportam tanto vento gelado.Dentro de muitas  residencias sempre há um fogão de ferro á lenha, para amenizar o rigor do inverno.
Chupamos algumas bergamotas, coisa que existe em todas as casas locais, assim como o limão capeta.Apressei o passo e os km restantes foram vencidos em pouco mais de 1 hora.
De longe avistei um grande silo de metal e me dei conta de ter chegado á São José Velho, um vilarejo composto de umas poucas ruas, algumas com calçamento e cujo aspecto deu sinais de ser um local onde a principal atividade é o cultivo do arroz.Algumas máquinas colhedeiras, estranhas para nós, foram vistas ao redor.

Parei no posto de gasolina existente na entrada do vilarejo para esperar o pessoal e ao chegarem, tomamos uma cerveja para em seguida irmos para o colégio José Rodrigues (fotos abaixo) uns 500 metros adiante, local onde dormiríamos.

O colégio é uma construção sólida e bem cuidada,limpa, com um bem cuidado gramado em volta .As crianças ainda estavam nas salas de aula de modo que tivemos que esperar até que se retirassem para que pudéssemos espalhar os colchões no chão e assim ficarmos alojados.

Cada um escolheu o seu colchonete e assim começamos a tirar tudo de dentro das mochilas para que as roupas sujas fossem lavadas. Após um almoço reconfortante fui lavar umas camisas e meias para aproveitar o restante do sol da  tarde e o forte vento que soprava.
Espalhamos as roupas lavadas no varal e fomos descansar. Numa salinha de aula com crianças de 5 anos, sentei ao lado de 4 garotinhos e calmamente peguei um livro de historias infantís.... do Aladim e a lâmpada maravilhosa. Comecei a ler o texto para eles que,em silencio e  olhinhos arregalados ouviam atentamente aquela história, que para mim se perdera no tempo.


Lembrei-me então dos meus filhos que, com aquela idade eu  tinha lido poucas historinhas  para eles. Estava ocupado com o trabalho e confesso que perdi aquela oportunidade. Fiz uma espécie de redenção naquela hora.Terminada a historinha saí e ví ao lado, noutra sala com crianças de 7 a 9 anos, uma professorinha que biscava alguma coisa no quadro.Encostado na porta observava atento as explicações, quando a menina que estava bem perto me olhou e  perguntou meu nome.
Eu fiquei sem jeito pois a professora olhou, mas sorriu. Eu disse o meu nome e na cara de pau entrei e comecei a conversar com a criançada. Daí para um papo informal foi um pulo. Disse quem nós éramos, o que estavamos fazendo alí, qual era minha profissão, o que fazia e para que servem os veterinários. Ficaram bem curiosos e acabei me dando bem com a criançada pois, curiosamente me perguntaram muitas coisas.Logo a sineta bateu e eles foram para suas casas.
De banho tomado já escurecia quando fomos visitar uma Cooperativa de artesanato local onde mulheres usam lã de ovelhas para tecer diversos tipos de vestimentas e outros tipos de utilidades.

É um trabalho interessante pois alem de ocupar o tempo, as donas de casa ajudam no orçamento doméstico. Seus produtos já alcançam as cidades maiores da região.

Comprei uma lembrança para minha esposa, outros também compraram souvenirs e cachecóis, chapéus,etc.

Voltamos prápido para a Escola pois estava ventando muito e ameaçava chuva forte. Mal chegamos o temporal caiu com vontade seguido de muito vento, relâmpagos e trovões. A chuva inviabilizou nossa ida no bar da entrada da vila para comermos algo. Assim ficamos só nos pães e café que tomamos  na cozinha local.
Ficamos um bom tempo num animado bate papo ouvindo as histórias de Romaldo sobre as várias experiencias que tivera ao longo dos anos, levando peregrinos por este Caminho.



Suas observações foram importantes para nos situarmos dentro daquele contexto histórico, pois na verdade essa era a primeira chance que tivemos para conversar despreocupadamente sobre variados assuntos e de saber mais profundamente a história jesuítica.
Após essas horas de agradável conversa  fomos dormir  cada um enfiado no seu saco de dormir, pois não havia cobertores nem lençóis.
Novamente naquele frio intenso o saco de dormir foi a salvação e, na verdade é um equipamento essencial no inverno gaúcho.
No meio da madrugada todos nós acordamos com os raios e trovões que de tão fortes, retumbavam ao longe.
No pátio que circunda a escola os galhos das árvores gemiam sacudidos pela forte ventania chegando eu mesmo a pensar que o vento iria derrubar as algumas árvores. Eu nunca havia presenciado um vendaval tão forte.



5º dia- São José Velho – 21 de Abril - 33 km

Amanhecia e ainda fortes  ventos  fustigavam nossos pensamentos, fazendo com que temessemos  pela segurança e conforto do caminho.
Assim que levamtamos tivemos a certeza que o dia seria penoso, pois logo depois de arrumarmos as mochilas e tomarmos café, já devidamente paramentados, caiu outra forte chuva.


Ainda estava escuro quando partimos, usando nossas lanternas para visualizar onde pisar.

Fiquei um pouco atrás, pois tive de voltar para pegar meus óculos que ficaram na mesa do café. Fui rápido para alcançar a turma e no descuido cruzei com um ônibus escolar que vinha, tomei um banho de barro. Fiquei aborrecido mais porque sujou meu Parka novinho, o chapéu e a  calça. Dois quilometros e meio á frente encontramos um posto onde tirei o excesso do barro e fomos em frente para mais um dia, longo dia.
Ventava e fazia frio quando chegamos a uma encruzilhada e eu que andava  na frente e distraído com o MP4 ligado, passei do ponto de conversão á direita. Sorte mesmo que passou um carro e o motorista perguntou aonde eu ia. Disse que era para fazenda, do Sr Chico e ele então disse para voltar e pegar á esquerda. Agradeci e retornei a tempo de ver o pessoal entrando num barzinho á beira da estrada para ver se havia algo quente para beber, pois estavamos meio encharcados. Hélia pediu um chá naquele fim de mundo!!Tomamos um conhaque para rebater a friagem.
Eu, Mário e Sidão, prevendo que o chá da Hélia demoraria uma eternidade botamos o pé na estrada de novo e logo eu estava andando rápido na frente. No trajeto imenso e solitário, com aquele tempo feio e nublado, raras eram as casas e pessoas, exceto dois peões que avistamos, acompanhados de seus inseparaveis cães.

O Zenon tinha disparado e não o vi mais. Uns 9 km depois chegamos á fazenda Cardinal onde vimos um grande rebanho de ovelhas.
   
Tiramos fotos e os dois, Mario e Sidney, resolveram esperar os demais. Eu disse que ia em frente e saí. Foi uma caminhada  solitária até a fazenda do Sr Chico, cheia de curvas e pontes, capões de mato, subidas e cachorros.Segui absorto em meus pensamentos, meditando e conversando comigo mesmo sobre tudo que estava acontecendo e me lembrando da família e o quão longe eu estava.
Faltando poucas centenas de metros para chegar, errei a entrada, virando  numa descida  á esquerda  e dei de cara com dois pescadores que se assustaram com minha presença.Um deles fritava algo em um fogão rudimentar.
Naquele lugar ermo deve ser temeroso se deparar com estranhos, pensei.Me identifiquei e disse que ia para a faz do Sr Chico. Cordialmente me informaram que era mais adiante. Voltei para o caminho e mais uns 2 km cheguei ao final, descendo uma cadeira onde, abaixo uns 200 metros  avistei o Zenon que sentado numa cadeira, parecia feliz se restabelecendo do cansaço.
Havia umas oito pessoas da mesma família que estavam alí há 8 dias pescando.Foram muito cordiais e logo me ofereceram uma bebida para"rabater o pó da viagem"

Tomei de bom grado e depois veio mais uma dose generosa de pinga.Olhei pro Zenon e ele entendeu: o jeito é tomar esse álcool, pois cá para nós,cachaça boa esmo só em Minas Gerais!
Tempos depois chegaram os outros e como a fome era negra fomos almoçar o arroz de carreteiro que o Sr Chico havia preparado e a bem da verdade, esse é um excelente prato típico gaúcho. Foi uma bela refeição e ficamos alí por mais de meia hora, descansando e papeando com os gaúchos.
Como havia ainda muito chão  a vencer, eu e o Zenon saímos rápido para o ataque final dos 18 km que faltavam!

Com a mesma paisagem de sempre, estradinha de chão batido, pastos sem fim e poucas culturas atravessamos por 4 horas esse trecho até chegarmos a São João de Tujá numa escola rural onde dormiríamos.

Lavei algumas peças de roupa, e peguei uma carona com o motorista da Kombi de transporte das crianças para ir á uma venda adiante comprar umas cervejas.Comprei umas latinhas de Kaiser e umas sardinhas.
As meninas tinham chegado antes na carona do motorista de transporte de mochilas e devo dizer que a companhia da Wania, Luciana e Ana  foi agradabilíssima. São pessoas de excelente nível cultural e ótimas parceiras de caminho.Completaram o fim do dia e de jornada, abrindo nada mais,nada menos que uma autentica Vale Verde e uma garrafa de conhaque Fundador. Foi uma salvação naquele frio intenso.
O jantar foi excelente, servido que foi pela Srta Liqueidi, diretora da escola.


Ficamos alí animados por um um bom papo, enquanto o Zenon pegou uma carona e foi até São Nicolau esperar Wanda e Ronilda que vinham de ônibus de P.Alegre e junto ao Kojak, Kátia e Claudia iriam se juntar ao grupo a partir de São Nicolau.
Aquela turma que tinha feito o Caminho da Luz estava de novo reunida, enquanto as três paulistas voltariam a S.Paulo no dia seguinte.
A noite avançava e o frio apertando resolvemos dormir, á exemplo da escola anterior espalhamos os colchões pelo chão e caimos no sono.


6º dia- 21 de Abril- São Nicolau-20 km

A noite foi recheada de muitos trovões, relâmpagos e chuva com muito vento. O barulho deste nos eucaliptos que circundavam a escola era apavorante. Não foi uma noite bem dormida!. Levantamos ás 6.00h ainda muito escuro, para começar a arrumação das mochilas. Sempre a mesma coisa: as roupas cada vez mais embaralhadas e misturadas, mas claro que faz parte do negócio. O burburinho de arrumação já estava incorporado ao dia-a-dia.
Tomamos um reforçado café e após nos despedirmos daquelas pessoas simpáticas e acolhedoras,saímos em direção à Barca dos Crentes, cerca de 4 km depois debaixo de uma insistente e fria chuva.E muito frio estava congelante mesmo!!!



O caminho seguiu até cruzarmos o Rio Piratini na tal Barca dos Crentes e alcançarmos São Nicolau.
                                          Sidney e Virgílio na beira do Piratini


São Nicolau foi fundada em 1626 pelo Padre Roque Gonzales de Santa Cruz, sendo a primeira Redução Jesuítica da Companhia de Jesus, localizada na chamada Banda Oriental do Rio Uruguai, em terras do Rio Grande do Sul.
Os primeiros habitantes da região foram índios tupi-guaranis, povo dócil por natureza, favorecendo o trabalho de catequese dos padres da Companhia de Jesus.
No início de 1683 a Bandeira de Francisco Bueno investe contra as Reduções. Os portugueses levam consigo 2.000 índios, compondo então o primeiro ciclo de evangelização jesuítica. Em 2 de fevereiro de 1687 funda-se novamente São Nicolau, contando com cerca de 3.000 índios, todos provenientes da Planície Argentina.
Em 1854 São Nicolau foi incorporado ao município de Cruz Alta e, posteriormente, aos municípios de São Borja, Santo Ângelo e São Luiz Conzaga, respectivamente. Em 1938 é elevado à condição de Vila e, em 23 de novembro de 1965, conforme a Lei Estadual nº 5.104, é oficializado município.Foi escolhido o nome de São Nicolau, santo da Igreja Católica ao qual se atribui a figura do Papai Noel.
Fomos direto ao Restaurante do Dito onde nos recebeu a Srª Gleide, simpática gaúcha que nos deixou á vontade conversando com alguns dos seus familiares que vieram de Mato Grosso. Pouco depois  foi servido o excelente almoço.

Fomos alí apresentados ao poeta, cantor e contador de piadas Lori Schiavo,

que de noite, nos brindaria com excelentes momentos de descontração cantando e declinando belas poesias gaúchas.Ele tem um programa na rádio local e dedica-se a projetar o mais autentico som gaúcho pelas ondas sonoras da rádio que pode ser acessada pelo www.novacancaofm.com.br
Após o almoço nos dirigimos á Pousada dos Jesuítas uma casa agradável e confortável localizada na praça onde estão as ruínas, local de nosso pernoite.
Logo nos ajeitamos nos quartos determinados, ficando os roncadores de praxe acomodados no mesmo aposento, eu incluso, mas não ronco. O ronco é um incomodo, mas, reconhecemos que o roncador não tem culpa, afinal quem está na chuva está ali para se molhar.
Tomamos banho, vimos o jogo Uruguai x Alemanha e a seguir fomos para a praça para que fossem iniciados os novos caminhantes, numa cerimônia idêntica á realizada no começo do Caminho.


Encerradas essas preliminares, passamos o restante da tarde conhecendo as belezas das ruínas da redução jesuítica de São Nicolau, cuja localização está bem na praça defronte a pousada onde estavamos alojados.
Conhecemos ali os restos da construção da Igreja Jesuítica com  sua face principal voltada para o norte, ainda parte de suas colunas de sustentação  de pé , altar mor e parte do piso em ruinas, mas que podem ser identificados.
 Tivemos uma excelente explanação dada pelo Romaldo da iniciação dos rituais praticados pelos guaranis com enfase na queima da erva, onde cada um de nós executou a queima, espalhando um pouco de erva mate em um disco de arado e ascendendo a chama.



A visita á praça prosseguiu pelas ruinas existentes, onde encontram-se também as paredes do prédio onde funcionava o cabildo,a igreja com seu interior, o sistema de esgoto da redução e a adega jesuítica.Na foto abaixo, Kojak querendo entrar na adega para ver se ainda restava algum vinho dos jesuitas. Localiza-se na Praça Padre Roque Gonzales.


O conjunto da obra encontra-se em estado de destruição, só restando de pé as paredes da antiga igreja. O gramado é embelezado por centenárias figueiras, árvore simbolo da época

Às 6.00 voltamos ao restaurante do Dito para o jantar e um merecido happy hour onde se revelou o talento artístico do Lori Schiavo. “Ele recitou belas poesias das quais destaco  ‘Contrabando” de autoria de Aparício S. Rillo e cantou ainda canções variadas do folclore gaúcho. Um tempo de prosa e descanso que alegrou nossos corações.


A noite caiu e voltamos á Pousada para um merecido descanso. Ficamos alojados em um ambiente confortável e limpo. Devido os roncadores, no meio da noite fui dormir na sala!!
Continua...





Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagem em destaque

O Caminho de Assis- Itália

O Caminho de Assis, uma viagem pela Idade Média na Itália O homem medieval é o "homo viator ". Sua vida é um caminho percorri...