sábado, 15 de fevereiro de 2014

Caminho dos anjos - 4º dia

Começamos o 4º dia bem cedo com um suave  toque do despertador do celular, que  marcava 5.30 h. Olhei pela janela e vislumbrei pelas frestas um breu montanhês total.
Logo o Zenon se agitou na cama ao lado e num instante já estávamos de pé, pois havíamos combinado sair antes do dia clarear para esse percurso de 25 km.Mário e Sidão, que dormiram no quarto ao lado já estavam igualmente  de pé e com as mochilas arrumadas. Elas seriam levadas pelo taxista que Guela contratou.

Ela já estava de pé, com o café e demais iguarias no ponto. Na noite anterior tínhamos comprado no bar em frente umas iguarias para nosso repasto no meio do caminho e assim, terminado o café, despedimos de Guela e seu marido, agradecendo pela generosa e ótima hospedagem e saímos pelas mal iluminadas ruas da cidadezinha, deixando no ar, um "outro dia volto" para conhecer suas incríveis e famosas cachoeiras.
  
Eram 6 h quando descemos a rua atravessando uma pequena ponte, caminhando por entre as esparsas casas da cidadela.
Aqui e ali, com os cachorros de sempre latindo muito, ganhamos rapidamente a estradinha de terra cercada de muita mata. As vacas  e seus bezerros mugiam reclamando a presença um do outro.
Os raios do sol apenas despontavam. Caminhamos uns 2.500 m na direção da Cachoeira do Ouro Fala, nome esquisito para uma pequena queda d'água que, certamente terá sido  importante em outros tempos.

Ouso dizer que este foi o trecho de mais belo visual em todo o caminho( ao lado da descida da Serra do Garrafão), pois caminhamos em meio a densa mata verde, sempre ponteando aqui e ali, pequenas propriedades rurais, casinhas típicas e animais de pasto sem no entanto, encontrarmos pessoa alguma.



Somente aos quatro quilômetros nos deparamos com uma pequena fazendola com uma meia duzia de vacas mestiças recém ordenhadas e que estavam ali ruminando seu capim meloso enquanto o retireiro terminava seus afazeres, meio escondido pelas velhas tábuas de um carcomido estábulo.


Aos 6 km cruzamos um pequeno lago á direita e uma singela capelinha, onde uma seta verde indicava uma trilha plana, com passagem por três porteiras. 


Ali na última paramos um pouco, debaixo de umas árvores frondosas e de boa sombra para Sidão se deitar e aliviar de uma dor nas costas. Ficamos uns 10 minutos descansando e contemplando o belíssimo visual atrás, proporcionado pela imponente serra dos "Nogueira", viemos a saber depois.  

Dois km à frente, uma encruzilhada nos sugeria "quebrar" a esquerda para visitar um ermo bar na beira da estrada, o Bar do Tamanduá conforme uns matutos postados no caminho nos falaram. Fomos até lá para descanso e a essa hora do dia -sol forte e calor danado- tomar uma geladíssima cerveja era o máximo.                                  
No  descanso ali improvisado avistamos a Serra do Charco à direita e a dos Nogueira, à esquerda.Na frente o majestoso Pico do Papagaio, serra essa que haveríamos de contornar nos próximos dois dias. Ele nunca saiu de nossa visão. Um deles disse depois que toda aquela beleza de serra era de fato a Mantiqueira! Nogueira coisa nenhuma!
                                              
Um dos figuras ali presente, com chapéu de vaqueiro de abas largas, tomava uma meiota acompanhado de um digamos, providencial e prazeroso queijo minas "meia cura". Saborosíssimo como todos que na região, provamos a metade de um. Aliás, para um autentico mineiro, tomar cerveja e cachaça da boa, merece um queijo meio curado e uns torresminhos!

Realizadas as fotos tradicionais, algumas feitas pelo dono o Tamanduá, voltamos uns 200 m, virando á esquerda para novamente pegarmos uma trilha, passando mata burros e porteiras e ainda isolados e pobres retiros de leite, onde fotografamos esses pessoal na sua lide diária de ordenha.                             
Nesse ponto, com 14 km já percorridos, atravessamos em forte subida, bela mata com vários bandos de maritacas cruzando os céus. 
Também era esperado encontrá-las, pois muitos milharais estavam no ponto de ensilagem e colheita e nesse estágio era mesmo para elas se fartarem.
Perto das onze horas, em forte inclinação, uma encruzilhada mandava ir á esquerda e uns 500 m depois uma plaquinha indicava Guapiara, uma simples "corrutela"                                                         
Falei para os colegas irem na frente que eu queria fotografar sua velha igrejinha de Santa Ana, conforme sugerira o marido de Guela. Saí do caminho por uns 600 m até chegar a esse lugarejo: uma casa, uma igrejinha, uma escola rural e mais nada. Apenas um solitário cachorro me saudou e um grande lagarto teiú cruzou depressa minha frente, não deu nem tempo de armar a câmera. Ninguém à vista!
                                                          
Voltei ao caminho e os colegas estavam bem avante.
Tirar uma diferença de 1.200 m demora, mas alcancei-os. O sol estava abrasador, mas continuamos engolindo aquele pó, agora da estrada batida, depois de atravessarmos uma ponte de concreto, e .... enfim tomar um belíssimo banho no rio.


Após esse providencial refresco encaramos uma forte subida de 1.500 m e sem chuva na região, o pó estava com uns 10 cm  de altura .A cada carro que passava era um tormento. Atravessamos uma outra ponte, dita perigosa, por caber apenas um veículo e ainda com um pouco se sombra subimos e descemos mais 4,5 km até chegarmos ao alto e adentrarmos a Estalagem do Mirante, pois estávamos sedentos, cansados  e famintos.
                                   
O relógio marcava 12.30. Logo que chegamos fomos recepcionados por Edi, esposa de Gilberto. Fizemos nossa apresentação, pedimos para encher nossos cantis e descansar um pouco na sombra. Prontamente fomos atendidos e ali fizemos essa parada estratégica. Olhamos para a esquerda e lá estava Aiuruoca, a 5 km de distancia. O visual daquele ponto é muito bonito.
                       
Perguntamos ao Gilberto se ele poderia telefonar para algum restaurante conhecido e solicitar que nos esperasse para o almoço. Ela, depois de pensar um pouco, disse que faria comida para nós- coisa rápida- pois se tivéssemos avisado, ela teria nos esperado com o rango pronto.
Aquiescemos, tomamos cerveja e meia hora depois estávamos batendo os garfos no prato com uma saborosa comida, servida mesmo no fogão a lenha. Almoço de marajá!!

Essa pousada normalmente é o pouso dos andarilhos, mas nós preferimos ir direto a Aiuruoca para amenizar a dureza do caminho do dia seguinte. Ao longe uma convidativa cachoeira nos chamava para quiçá, um banho refrescante!                  

Findo o almoço, pegamos a estrada com o tradicional sol de rachar cano e pouca sombra. Descemos bastante até chegarmos a um aprazível local de lazer chamado "Pocinho" onde o rio esparrama-se ao largo e várias pessoas lá estavam se refrescando.
                                   
Fizemos as fotos e continuamos o caminho, cada vez mais penoso e em ascenso.  Com três km de terra e pó começou o calçamento da cidade e nós subindo, até o topo onde de fato era o inicio da cidade.
Fizemos um trajeto diferente do da planilha, pois Gilberto nos ensinou esse atalho para chegarmos com mais rapidez á Pousada Flores da Mantiqueira, de propriedade de D. Maria Amélia. Eram 3 h da tarde.
A pousada, á primeira vista,não era bem o que um andarilho cansado e ansioso deseja. Erro meu que escolhi, mas não tinha outro jeito e ali ficamos, na verdade mal alojados. Não vou enumerar as condições do local, só de dizer que "não dá", o leitor compreenderá.
Lavei minhas camisas, meias e a bermuda num tanque inadequado, e coloquei para secar no varal ao lado. O sol era tanto que menos de meia hora depois estavam secas. Tomamos banho e fomos  comer algo. Descemos forte ladeira calçada em pedra para chegarmos ao centro onde estão as casas principais, prefeitura, etc,  e uma imponente matriz desponta.
                                 
Fomos direto a uma lanchonete ao lado da igreja e entornamos logo 4 garrafas de 1,5 litro de pura água . Isso mesmo:ÁGUA. Nunca o calor esteve tão forte como nesse dia!!
Ficamos ali jogando conversa fora com o proprietário e aproveitei para fotografar a Igreja e uns casarões da cidadela, que de característico um deles tinha afixado em suas paredes interessantes painéis.

                        
                                  



Pouco depois apareceu um motoqueiro de trilhas, de nome Claudio, que nos explicou um atalho para chegarmos á Cachoeira dos Garcias, local onde pernoitaríamos na noite seguinte  e que tem a característica de estar bem nas alturas e não possuir energia elétrica.

Anotei todas suas informações,  tendo ele nos garantido que seria mais rápido e não pegaríamos a íngreme e longa subida de asfalto demarcada na planilha original.

Depois da água, compramos sanduíches para o dia seguinte.  Mário e Sidão retornaram à pousada e eu e Zenon ficamos num barzinho ao lado, conversando com um casal de paulistas que fazia a estrada real de carro e que estavam maravilhados com a beleza da região.

Aiuruoca, que em tupi guarani quer dizer "casa do papagaio", está a 1000 (990) m de altitude e possui pouco mais de 6 mil habitantes, tendo sido desbravada em 1692 pelo padre João faria Fialho, capelão de uns bandeirantes que ali aportaram.

No livro: Primeiros descobridores das Minas do Ouro da Capitania de Minas Gerais, está escrito que: " assim se denominou um descobrimento ao sul das minas de São João de El Rei, por alusão a um penedo cheio de orifícios, em que se aninhavam e se reproduziam bandos de papagaios. Trata-se inequivocamente, do nosso Pico dos Papagaios, nosso símbolo maior, nosso guardião intemporal. Aí está, belíssimo relato sertanista, que trata com detalhes a primeira vez que se teve noticia das terras de Aiuruoca: A-Juru-oka".

Voltamos mais tarde para a pousada. Dormimos mal acomodados, sendo que Sidão e Zenon dormiram do lado de fora. O calor e cheiro de mofo arrasou conosco, principalmente o Sidão, que resolveu não caminhar no dia seguinte.

Havíamos na véspera telefonado para Juninho, hospitaleiro da Cachoeira dos Garcias, para apanhar nossa mochilas e levar até a pousada. 

Fim do quarto dia.

  

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