quarta-feira, 12 de junho de 2013

A Estrada Real- um percurso pela história de Minas Gerais- 1º dia: de Ouro Preto a Cachoeira do Campo-35 km

No hotel em que nos hospedamos, havia chegado dias antes, um grupo de pessoas de língua espanhola que participavam de um congresso Ibero-Americano de sociologia, de modo que não foi por acaso que a barulheira havia começado assim que meu relógio despertou às 5.30 h.

Assim que me arrumei e coloquei as coisas na mochila, olhei pela janelinha e vi que o tempo estava bem carregado, com presença de pesadas nuvens de chuva. Caminhar com chuva não é nada agradável sendo ela um adversário duro de enfrentar.

A salinha de café do hotel  é muito acanhada, de modo que tivemos que nos apertar daqui e dali para um café de fracas porções, disputando com a espanholada, nacos de bolos, fatias de frutas e os pães de queijo que fizeram a alegria da gringada.
Findo o café fizemos os acertos financeiros para em seguida, arrumados  e preparados com a roupa adequada, sairmos para  enfrentar o mau tempo.

Deixamos as mochilas na portaria para serem levadas pela Regina até a próxima pousada em Cachoeira do Campo e para isso contratamos um táxi.







Saímos sob uma fina garoa caminhando em passos curtos pelas escorregadias ruas de pedras da cidade, subindo em direção ao trevo da MG 030, apreciando a beleza dos arranjos de tapeçaria e lençóis bordados, estrategicamente colocados nos parapeitos das janelas, numa demonstração inequívoca da religiosidade popular mineira, pois no dia seguinte seria celebrado o dia de Corpus Christi que é a celebração em que, solenemente, a Igreja comemora o Santíssimo Sacramento da Eucaristia, sendo o único dia do ano que o SS sai em procissão às ruas. 
Nesta festa os fiéis louvam e agradecem a Deus pelo inestimável dom da eucaristia, na qual o próprio Senhor se faz presente como alimento e remédio para nossa alma.
A Eucaristia é fonte e centro de toda vida cristã.
Nela está contido todo o tesouro espiritual da Igreja e do próprio Cristo.
Saiba mais sobre o significado e história do Corpus Christi.

                                  

Passamos pela antiga Escola de Engenharia de Minas e Metalurgia e galgamos o asfalto em direção ao trevo, alcançado cerca de uma hora depois.
Nesse ponto deixamos o asfalto e começou uma longa e penosa subida em estrada de terra batida e barrenta que liga Ouro Preto a São Bartolomeu e Glaura, nossos destinos. 
Volta e meia aparecia um ou outro caminhão e noutras vezes,  bandos de motociclistas paramentados com roupas coloridas que se destinavam às inúmeras trilhas disponíveis na região, essencialmente montanhosa.

Perto de uns 1.500 metros depois de iniciada a forte subida, o marco sinalizava uma conversão à esquerda para pegar uma trilha demarcada( abaixo) onde deveríamos atravessar a cerca e cair na trilha

Ponderei aos demais colegas que, devido às fortes chuvas caídas em dias anteriores e mais especificamente a da noite anterior, não seria prudente adentrar aquela penosa trilha de 15 km coberta de densa mata, sob o risco de nos defrontarmos com marcos caídos ou encobertos pelo alto matagal e assim perdermos o rumo. A altitude ali batia nos 1.400 m, segundo o guia altimétrico da ER-( foto abaixo da densa mata).
                                         

Assim deixamos de ver  um famoso chafariz de 1792 e percorrer essa trilha que era usada por governantes, tropeiros e viajantes nos séculos XVIII e XIX para, em nome da segurança, caminharmos pela segura estrada rural que se descortinava à nossa frente.

Seguimos em passos rápidos por aquela estrada erma e sem vivalma.
Dali descortina-se um grande cenário montanhoso, com muita mata e ao longe pudemos observar um grande pontilhão de trem.


Conversávamos aproveitando o silencio sepulcral do lugar, trocando ideias e planos. Atravessamos eucaliptais ao lado de muita mata nativa fechada, em terrenos impróprios a qualquer atividade agro-pastoril, uma vez que o que predomina é o minério.
Depois de muito andar começamos a ver sinais de civilização como a Fazenda Vida Nova, mas gente mesmo nada!

Bem mais tarde, por volta de 11 horas, atravessamos o pontilhão antes mencionado para logo uns km à frente avistarmos São Bartolomeu.

"O Arraial do Apóstolo São Bartolomeu é dos mais antigos das Minas, sendo seus mais remotos documentos datados de fins do século XVII. Entre os vestígios remanescentes do período áureo cumpre destacar a Igreja do padroeiro, cujos altares demonstram uma fatura recuada em Estilo Nacional Português, isenta ainda da ornamentação antropomorfa (que está presente na Matriz de Cachoeira, por exemplo). A própria arquitetura desta igreja é prova também da antiguidade do local, sendo a fachada - com suas três janelas, as torres com telhadinho e os cunhais de madeira - típica da primeira 'fase' construtiva que Minas conheceu. Sua fachada e seu interior, bem preservados, nos dão uma idéia de como eram as primeiras igrejas matrizes erguidas com o esforço dos mineradores.
No interessante casario preservado neste povoado podemos encontrar certas curiosidades. Em algumas casas, por exemplo, encontram-se raridades do século XVIII e XIX: oratórios públicos inseridos nas construções. Há pelo menos três destes oratórios na rua principal. O casario se estende por uma comprida rua retilínea (certamente projetada), sendo dominada, de um lado, pelo largo da Matriz, com seus muros de arrimo de pedra.
Os enormes monturos de cascalho ao longo do Rio das Velhas (a poucos quilômetros das nascentes), as muitas minas e saris (ou sarilhos) indicam a atividade mineradora dos primeiros anos do setecentos. Foi encontrado há poucos anos, perto desses monturos, um delicado estojo de cadinhos, com numeração ainda preservada, usado, ao que parece, na pesagem do ouro.
Em agosto a imagem de São Bartolomeu é alvo de romarias vindas de várias partes do Brasil, à procura dos milagres do padroeiro. Na festa do santo apóstolo, o mundo profano se mistura com o sagrado, barracas de jogos e doces se misturam com vendedores de velas e terços. Gente de toda a parte movimenta o pequeno povoado. Esta religiosidade, sempre presente em São Bartolomeu, nos legou várias manifestações culturais."(
site da Prefeitura de Ouro Preto)


Esse diminuto lugarejo merece um destaque especial, pois além de ser uma joia rara do barroco  setecentista mineiro parecendo que parou no tempo, é digno de nota, pois neste dia nos deparamos com a procissão de Corpus Christi, piedosamente rezada pelos locais, conforme testemunhamos.

Um fato notável é que, ao longe já podíamos ouvir o povo cantando o Tamtum Ergo- antiqúissima música sacra  cantada em ocasiões solenes.
Ouçam aí no link com performance da Philarmonica de Filadelfia.








Sua Igrejinha de N S das Mercês é de rara beleza e é uma das mais antigas de Minas Gerais, sendo sua construção datada do início do século XVIII.

Após aguardar o termino da solenidade, onde silenciosamente esperamos um momento adequado para atravessar, seguimos rumo a Glaura, caminhando por uma rua calçada e prosseguindo por uma densa e grande trilha.

O lugar  é absolutamente desprovido de qualquer sinal de vida e a trilha seguida prolongou-se por longos minutos, subindo e descendo sempre ladeada de fechada mata.
Meio cabreiros com aquele trilho sem fim sentimos alegria ao nos depararmos com um grande descampado, com um marco à direita sinalizando  que Glaura estava á vista.

De fato lá estava a simples e bela vila de Glaura, fundada no século XVIII.

"Passaram por Glaura vários personagens ilustres. Dom Pedro I em 1830 e Dom Pedro II em 1881, o viajante e sábio naturalista francês Auguste Saint Hilaire em 1817, o naturalista inglês Richard Burton em 1866 e vários outros. Dom Pedro II registrou no seu Diário de Viagem, publicado pelo Museu Imperial de Petrópolis, que dormiu uma noite no arraial de Casa Grande. De Glaura a Soares, na linha do horizonte, está a Serra de Capanema(serra de mato ralo em tupi guarani), denominação decorrente do barão de Capanema, Guilherme Schuch, nascido na fazenda Timboeba( distrito de Antonio Pereira) em 1824 e falecido no Rio em 1908 e que implantou a fazenda no sopé da serra, até hoje existente na Área de Proteção Ambiental do Uaimii.
Engenheiro e mineralogista, realizou pesquisas e e deixou muitos trabalhos científicos. Seu pai, Rochus Schuch, austríaco, veio para o Brasil em 1817 com a missão científica austríaca que acompanhou a princesa Leopoldina de Habbsburg, que depois casou-se com D.PedroI"
(Wickipedia)

Também chamada Casa Grande, é um dos mais antigos distritos de Ouro Preto, tendo sido ponto fundamental da passagem dos bandeirantes e era refúgio dos grandes senhores que tinham o arraial como ponto de divisão entre Vila Rica e São João del Rei.
                             
Descemos a trilha seguindo os marcos e atravessando grande pasto com vegetação alta até desembocarmos numa pinguela estreita por onde corria ruidoso riacho.





Seguimos subindo a trilha para em seguida entrarmos no charmoso distrito, onde locais desfrutam de boas casas e excelente clima. 
Logo estávamos defronte sua famosa Igreja de Santo Antônio, padroeiro da cidade, onde naquele instante estava sendo celebrada missa de Corpus Christi. Adentrei a bela igreja para fazer as orações necessárias, agradecendo ao Pai a segurança e tranquilidade pelo caminho.






Bastante cansados paramos numa lanchonete defronte a Igreja para um rápido lanche e uma skol geladinha. Ali ficamos bom tempo, com as pernas esticadas,quando lembramos que ainda faltavam 7 km até Cachoeira do Campo nosso destino final. Já tínhamos caminhado 28 km de pura montanha!

Já perto das 16.30 resolvemos ir de taxi, pois o caminho era puro asfalto e o movimento do feriado para lá e para cá estava forte. Foi a melhor coisa que fizemos, pois caso contrário chegaríamos de noite no Hotel Bandeirantes, nosso destino em Cachoeira do Campo.
Vejam Aqui informações sobre esse interessante e antigo distrito de Ouro Preto.

Apertados no taxi fomos curtindo o resto da claridade do dia até que chegamos ao Hotel, onde poucos minutos depois chegavam, vindo de São paulo, Sidney, Mario e Hélia, que completariam nosso time para nove pessoas.

Ocupamos nossos quartos e após relaxante banho nos dirigimos ao restaurante local para saborearmos delicioso jantar. O sono neste dia foi reparador.

2 comentários:

  1. Pela narração perfeita do caminho e do tempo, pareceu um perfeito dia para uma caminhada nas Minas Gerais. Vamos aguardar o segundo dia.
    Jorge

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