Um dia desses assistindo ao noticiário da tv, tomei conhecimento de uma prática que está em curso na China e que, à primeira vista, choca pelo inusitado do negócio.
Tratava-se de um grupo de alunos que, á guisa de melhor se prepararem para o correspondente exame vestibular, tomavam injeções endovenosas de aminoácidos em plena sala de aulas.
Não resta dúvida que, pelo menos para nós brasileiros essa é uma prática inédita e aparentemente tresloucada. Onde já se viu tomar medicação endovenosa em sala de aula!
O que nos parece normal e aceitável é que quando se está adoentado e internado num hospital, a medicaçãoprescrita pelo médico seja aplicada com assistencia de enfermeiro(a) habilitado.
Com um pouco de curiosidade, fui procurar as razões de tal procedimento coletivo- sim coletivo porque o uso de tais medidas não deve se restringir apenas a uma ou outra sala de aula- mas deve ser espalhado por não sabemos quantas milhares salas de aulas existentes.
Encontramos então que a República Popular da China, é um colossal país de 1,3 bilhão de habitantes, espalhados por uma área de 9,6 milhões de km2, com 140, 2 habitantes por km2, com crescimento demográfico a uma taxa de 0,49%aa e uma taxa de analfabetismo de 7,5%. Tem o PIB(2011) de 7,5 trilhões de dolares e crescimento da ordem de 9,2%, um dos maiores do mundo.
Como a China cresceu tanto assim e se transformou na segunda maior potencia mundial?
Desde a época do surgimento da civilização chinesa, há 4 mil anos, até o
ano de 1978, muitas coisas aconteceram. A China tornou-se um grande
império no século II a.C., quando iniciou a construção da Grande Muralha
para se defender dos mongóis. No século XIII, o país começou a ter
contato com o mundo ocidental. Na Guerra do Ópio, os chineses lutaram
contra o imperialismo inglês, contudo, acabaram perdendo o território de
Hong Kong. Para os franceses, perderam o Vietnã; os russos conquistaram
áreas do norte de seu território; e o Japão tomou Coreia e Taiwan. Os
chineses também viram os japoneses ocuparem a Manchúria; tal situação só
se findou com a derrota do Japão na 2ª Guerra Mundial.
Em 1949, os comunistas, sob a liderança de Mão Tsé-Tung, tomaram o poder e realizaram inúmeras mudanças, estatizando as empresas e as propriedades fundiárias e promovendo a ditadura. Em 1950, a China aproximou-se da União Soviética, entrando também na Guerra da Coreia. Após a morte de Tsé-Tung, em 1976, Deng Xiaoping e seus aliados assumiram o poder e colocaram o país em outros trilhos.
A partir de 1978, a China iniciou uma série de reformas econômicas, as quais tiveram como base os fartos subsídios estatais, visando tornar o país um grande exportador de produtos de baixo custo e procurando atrair pesados investimentos estrangeiros. Com tais medidas, o país se deparou com um crescimento econômico bastante significativo. Em virtude da mão de obra barata, centenas de empresas estrangeiras foram atraídas para a país, tornando-o uma verdadeira potência exportadora.
Em 1989, mesmo com o fim da URSS, a China permaneceu com seu regime fechado. Basicamente, a política econômica adotada pelos chineses nesse período baseava-se no apoio às multinacionais, que mudavam gradativamente o perfil da economia chinesa. O Estado se esforçava para garantir uma ampla infraestrutura, energia, matérias-primas e mão de obra barata, tudo que as multinacionais desejavam. O que essas empresas estrangeiras levaram à China foi a tecnologia, o que foi essencial para a modernização do país.
Com a produção em massa, os preços dos produtos chineses ficaram baratíssimos em relação a outros mercados, dando para o país uma fantástica competitividade no mercado internacional. Quem nunca encontrou a famosa frase “Made in China” em algum produto? O Estado procurou acelerar ainda mais o crescimento econômico por meio de fortes investimentos na construção de portos, aeroportos, pontes, ferrovias, etc.
Atualmente, com um nível de crescimento econômico assustador, a China encontra novos desafios. O principal deles talvez seja, justamente, o de diminuir a dependência em relação ao comércio exterior, das multinacionais, e tentar elaborar uma economia semelhante à ocidental, baseada no consumo interno, na tecnologia de ponta e nos serviços. Mesmo assim, essa "revolução econômica" serviu para tirar 400 milhões de pessoas da pobreza. A verdade é que ninguém sabe, ao certo, até onde os chineses podem chegar.
Em 1949, os comunistas, sob a liderança de Mão Tsé-Tung, tomaram o poder e realizaram inúmeras mudanças, estatizando as empresas e as propriedades fundiárias e promovendo a ditadura. Em 1950, a China aproximou-se da União Soviética, entrando também na Guerra da Coreia. Após a morte de Tsé-Tung, em 1976, Deng Xiaoping e seus aliados assumiram o poder e colocaram o país em outros trilhos.
A partir de 1978, a China iniciou uma série de reformas econômicas, as quais tiveram como base os fartos subsídios estatais, visando tornar o país um grande exportador de produtos de baixo custo e procurando atrair pesados investimentos estrangeiros. Com tais medidas, o país se deparou com um crescimento econômico bastante significativo. Em virtude da mão de obra barata, centenas de empresas estrangeiras foram atraídas para a país, tornando-o uma verdadeira potência exportadora.
Em 1989, mesmo com o fim da URSS, a China permaneceu com seu regime fechado. Basicamente, a política econômica adotada pelos chineses nesse período baseava-se no apoio às multinacionais, que mudavam gradativamente o perfil da economia chinesa. O Estado se esforçava para garantir uma ampla infraestrutura, energia, matérias-primas e mão de obra barata, tudo que as multinacionais desejavam. O que essas empresas estrangeiras levaram à China foi a tecnologia, o que foi essencial para a modernização do país.
Com a produção em massa, os preços dos produtos chineses ficaram baratíssimos em relação a outros mercados, dando para o país uma fantástica competitividade no mercado internacional. Quem nunca encontrou a famosa frase “Made in China” em algum produto? O Estado procurou acelerar ainda mais o crescimento econômico por meio de fortes investimentos na construção de portos, aeroportos, pontes, ferrovias, etc.
Atualmente, com um nível de crescimento econômico assustador, a China encontra novos desafios. O principal deles talvez seja, justamente, o de diminuir a dependência em relação ao comércio exterior, das multinacionais, e tentar elaborar uma economia semelhante à ocidental, baseada no consumo interno, na tecnologia de ponta e nos serviços. Mesmo assim, essa "revolução econômica" serviu para tirar 400 milhões de pessoas da pobreza. A verdade é que ninguém sabe, ao certo, até onde os chineses podem chegar.
Abaixo transcrevo artigo de Gustavo Ioschp, da revista Veja:
Contraste entre escola brasileira e uma chinesa é gritante.A primeira coisa que chama a atenção nas aulas é a disciplina. Para um ocidental, e ainda mais brasileiro, parece até exagerada.
1- A Escola
Fui para a China em outubro, já esperando ver escolas diferentes da realidade brasileira, por tudo o que havia lido a respeito e pelo próprio resultado do PISA. Em dez dias de viagem – dois dias em Pequim, uma semana em Xangai e um dia e meio em Shenzhen, todas na região leste (a mais desenvolvida) do país – visitei cinco escolas (mais duas escolas técnicas e três universidades, sobre as quais escrevo nas páginas a seguir). Mas mesmo todo o preparo não foi suficiente para, de início, afastar a impressão de que tudo aquilo que eu estava vendo era uma farsa, uma campanha de propaganda cuidadosamente elaborada pelo governo chinês para iludir esse forasteiro. Foi só depois de conseguir visitar escola sem o conhecimento ou consentimento do governo, de checar os rankings das escolas visitadas e de falar com uma série de alunos e ex-alunos chineses que me convenci de que o que estava vendo era uma boa representação da realidade. Se não de toda a China – porque o Oeste do país é profundamente mais atrasado que o leste, e em muitas províncias a situação é de pobreza extrema – pelo menos naquilo que ocorre nas três províncias que visitei. O contraste com uma escola brasileira é gritante.
Fui para a China em outubro, já esperando ver escolas diferentes da realidade brasileira, por tudo o que havia lido a respeito e pelo próprio resultado do PISA. Em dez dias de viagem – dois dias em Pequim, uma semana em Xangai e um dia e meio em Shenzhen, todas na região leste (a mais desenvolvida) do país – visitei cinco escolas (mais duas escolas técnicas e três universidades, sobre as quais escrevo nas páginas a seguir). Mas mesmo todo o preparo não foi suficiente para, de início, afastar a impressão de que tudo aquilo que eu estava vendo era uma farsa, uma campanha de propaganda cuidadosamente elaborada pelo governo chinês para iludir esse forasteiro. Foi só depois de conseguir visitar escola sem o conhecimento ou consentimento do governo, de checar os rankings das escolas visitadas e de falar com uma série de alunos e ex-alunos chineses que me convenci de que o que estava vendo era uma boa representação da realidade. Se não de toda a China – porque o Oeste do país é profundamente mais atrasado que o leste, e em muitas províncias a situação é de pobreza extrema – pelo menos naquilo que ocorre nas três províncias que visitei. O contraste com uma escola brasileira é gritante.
A primeira diferença é do espaço físico, especialmente da limpeza e do
cuidado. A maioria das escolas que visitei não tinha nada muito
sofisticado ou diferente, mas também não tinham nada fora do lugar ou
improvisado. Os pisos das escolas eram imaculadamente limpos, e em duas
ocasiões presenciei algo que nunca vi no Brasil, nem no tempo de
estudante e nem em visitas a escolas: o diretor ou vice-diretor que nos
acompanhava se agachando para recolher um pedaço de papel caído. Os
prédios são parecidos com os de muitas escolas brasileiras, ainda que um
pouco mais verticalizados. As escolas têm três ou quatro andares. São
escolas grandes, a maioria com mais de mil alunos. O sistema chinês é
dividido em três níveis: o “Elementary”, do 1º ao 6º ano; “Middle”, do
7º ao 9º, e o “High School”, de três anos. Em Xangai há uma leve
alteração: 5-4-3 ao invés de 6-3-3.
Não visitei nenhuma escola que tivesse os três níveis. A maioria tinha
apenas um nível, ou no máximo dois (middle e high). Em algumas escolas
cada série ocupava um andar. Essa organização do espaço é relevante.
Pois em cada andar há uma sala de professores, e essa divisão permite
que professores das mesmas séries estejam em contato frequente e tenham a
formação do seu grupo de estudos facilitado (veja o capítulo 3). A sala
de professores não tem nada a ver com esse espaço social e descontraído
dos colégios brasileiros: em Xangai, cada professor tem o seu cubículo,
em que guardam livros e materiais de sua disciplina e onde também há um
computador, onde preparam o material de aula (sempre da marca Lenovo,
empresa chinesa que adquiriu o negócio de PCs da IBM).
O mais marcante, porém, são as salas de aula. O espaço físico é
parecido com as congêneres brasileiras, em termos de dimensão e formato.
A parede frontal também é ocupada por um quadro negro, depois vem a
mesa da professora e as carteiras e cadeiras dos alunos. Não há grandes
aparatos tecnológicos, decorações, apetrechos etc. Tudo bastante
simples. Só há três diferenças em relação às nossas salas de aula. A
primeira é que, tanto em Xangai quanto Pequim, há uma bandeira da China
sobre todo quadro-negro. A segunda é que há um data show, através do
qual os professores mostram material didático através de apresentações
de Power Point. O terceiro é que há vassoura e pá ao fundo de todas as
salas: cabe aos alunos a limpeza do seu ambiente. Há equipe de limpeza
nas escolas, mas elas só tomam conta das áreas comuns.
Acompanhei várias aulas de várias séries diferentes. Todas começam da
mesma maneira. A professora não se atrasa, nem os alunos. A professora,
de pé, então se inclina em direção à classe e diz: “bom dia, alunos”. Os
alunos então se levantam, se inclinam em direção à professora e, em
uníssono, respondem: “bom dia, professora”. Eles então se sentam e a
aula inicia.
Não há chamada nas aulas chinesas. Cada turma tem um professor que é designado o seu “head teacher” (professor responsável, em tradução livre), que deve ter um contato mais aprofundado com aquela turma, conhecer seus alunos, suas famílias etc. Uma vez por dia, em horário aleatório, o professor responsável passa pela turma e vê se tem alguém faltando. Se há, ele deve ligar para seus pais para saber o que está acontecendo. Caso todos estejam lá, o professor dá uma espiada e vai embora. É um detalhe simples, mas pense em seu efeito. Se você tem oito períodos por dia e gasta, digamos, três minutos fazendo chamada, quase meia hora de aula do dia terá sido desperdiçada com esse ritual. Ajuda o fato de que quase ninguém falta, claro. Nem alunos, e muito menos professores.
Não há chamada nas aulas chinesas. Cada turma tem um professor que é designado o seu “head teacher” (professor responsável, em tradução livre), que deve ter um contato mais aprofundado com aquela turma, conhecer seus alunos, suas famílias etc. Uma vez por dia, em horário aleatório, o professor responsável passa pela turma e vê se tem alguém faltando. Se há, ele deve ligar para seus pais para saber o que está acontecendo. Caso todos estejam lá, o professor dá uma espiada e vai embora. É um detalhe simples, mas pense em seu efeito. Se você tem oito períodos por dia e gasta, digamos, três minutos fazendo chamada, quase meia hora de aula do dia terá sido desperdiçada com esse ritual. Ajuda o fato de que quase ninguém falta, claro. Nem alunos, e muito menos professores.
No meu primeiro dia na China, em Pequim, conversava com uma diretora de
escola, Cui Minghua, 55. Perguntei a ela se o absenteísmo de
professores era um problema sério. Ela me olhou algo incrédula, conferiu
a pergunta com a tradutora. Pra simplificar, perguntei quantos
professores, em média, faltavam num determinado dia (a escola é muito
grande, com mais de 4 mil alunos em sete campi). “Nenhum”, ela me disse,
ainda sem entender muito onde eu estava querendo chegar. Então lhe
expliquei que em muitos lugares do Brasil o absenteísmo de professores
era um problema sério, que causava o cancelamento de aulas, a perda de
ritmo de ensino etc. A sra. Cui me pareceu um pouco incrédula, e me
contou a sua história para explicar o porquê de sua incompreensão. Ela
estava na carreira há 32 anos, sendo mais de 20 deles como professora.
Em todo esse tempo, tirou uma licença médica para realizar uma operação,
mas fora isso não teve falta nenhuma, em nenhum ano. Nessa escola,
chamada Fang Cao, fui ao campo de futebol para acompanhar a sessão de
exercícios físicos realizada pelos alunos com precisão militar.
Descobri que havia dois alunos brasileiros lá matriculados, que me
foram apresentados. Ana Clara Pereira de Freitas, carioca de 7 anos, e
Giovanni Iduino, seu conterrâneo de 10, são filhos de diplomatas e estão
na China há pouco mais de um ano. Nenhum deles mostrou alegria especial
por estudar em escola conduzida por diretora que não falta ao trabalho
há trinta anos. “No Rio, trabalho de casa era fazer uma folhinha de
papel e terminou. Aqui eu volto pra casa às 3 da tarde e preciso ficar
fazendo dever de casa até o jantar”, disse Ana. Giovanni confirma a
dureza. “Tô estudando aqui no 4º ano coisas que não estudaria no Brasil
nem no 6º. E num dia em que eu faltei à aula, a professora me perguntou
se achava que por ter faltado ia poder pular a matéria. Aí ela me mandou
mais trabalho de casa pra recuperar a ausência e me obrigou a ficar
trabalhando no horário do almoço”. Ambos querem voltar ao Brasil.
O sistema é realmente organizado para que o tempo seja utilizado de
forma efetiva. As aulas têm quarenta minutos de duração e dez minutos de
intervalo entre elas, ao contrário do sistema brasileiro, em que a
maioria das escolas adota aulas de 50 minutos, sem intervalos, exceto o
recreio. Como os professores precisam mudar de aula (na China também), é
óbvio que esse horário é inexequível. O professor brasileiro sempre vai
chegar na aula atrasado, e como o atraso é inevitável e sua duração é
incerta, o professor tem a liberdade de demorar o que achar necessário, e
os alunos podem fazer a balbúrdia que bem entenderem. Na escola
chinesa, os horários são cumpridos à risca, e os alunos sabem quando a
descontração começa e quando ela terá de terminar. Quando a professora
chega à aula, todos estão prontos para começar a lição.
A primeira coisa que chama a atenção nessas aulas é a disciplina. Para
um ocidental, e ainda mais brasileiro, parece até exagerada. A separação
entre as carteiras é milimétrica, e todas as mesas estão perfeitamente
alinhadas em relação à parede frontal. As cadeiras, por sua vez, também
estão alinhadas com as carteiras, e todos os alunos sentam de frente
para o quadro negro, costas eretas e pernas dentro de suas mesas. Sobre
estas, todos têm o mesmo material: estojo, caderno e, quando usado,
livro didático. Na maioria das classes que visitei havia entre 30 e 35
alunos, mas a média de Xangai é mais alta, de mais de 40 alunos no
middle school e 38 no high school . Sempre que o espaço permitia, cada
aluno sentava sozinho. Nas aulas menores ou mais numerosas, sentavam em
pares. No interior da China, sabe-se que chega a haver até 60 alunos por
sala, e aí há arranjos em que até se formam trios.
O que mais chama a atenção é que não há “turma do fundão”, conversas
paralelas ou problemas de disciplina. Não vi um único aluno pedindo para
ir ao banheiro nem, muito menos, celular tocando. Em quase todas as
aulas que presenciei, a professora tinha o total domínio da situação e
mantinha a atenção de todos os alunos, todo o tempo. Pra quem está
acostumado com salas de aula em que uma minoria costuma prestar atenção e
vários outros grupelhos paralelos se formam, cada qual falando sobre o
seu assunto, foi incrível ver uma sala assim. Também já cansei de ver,
no Brasil, professores que claramente não planejaram o seu tempo e não
têm a menor idéia de como preencherão aqueles cinquenta minutos, e
acabam ocupando esse tempo com chamada, avisos, repreensões, lições de
moral ou, na variação menos nociva, entupindo o quadro negro de texto
para que os alunos copiem ou pedindo a eles que leiam algum texto do
livro didático, hábitos que no Brasil são confundidos com dar aula. Nas
aulas chinesas, o valioso e escasso tempo de contato entre professores e
alunos é usado para ensinar. A organização da aula costuma ser assim: a
professora começa recapitulando onde pararam e o que aprenderam na aula
passada, rapidamente. Depois explica o conteúdo novo. Então faz alguns
exercícios, com o auxílio do data show, em que a idéia subjacente ao
conteúdo é explicitada e testada.
Sempre que possível, esses exercícios são feitos repetidamente, sob
prismas diferentes, pra ter certeza de que o aluno entendeu o princípio e
não apenas se tornou um resolvedor de problemas. E os exemplos usados
eram, várias vezes, ligados a temas de interesse dos alunos. Assim, por
exemplo, quando estive em uma aula de Matemática da 3ª série e a
professora queria ensinar a calcular o perímetro de uma superfície, ela
usou o exemplo de uma quadra de basquete, um dos esportes mais populares
do país. Mostrou que aquela quadra tinha 28 metros de largura por 15 de
altura, e então ensinou como o perímetro podia ser derivado: somando-se
todos os lados (28+15+28+15), somando a altura com a largura e
multiplicando por dois [(28+15) x 2] e duplicando cada lado para depois
somar [(28x2)+(15x2)]. Abre-se então uma sessão de perguntas e
respostas, que tem um ritual peculiar: quando a pergunta é feita, várias
mãos costumam ser erguidas. Os alunos têm ânsia de participar. E todos
levantam a mão exatamente da mesma maneira: o braço é levantado na
altura do ombro, paralelo à mesa de cada um; o cotovelo é flexionado em
um ângulo reto e a mão, espalmada em direção à parede lateral da sala.
Quando um aluno é selecionado pelo professor, ele ou ela se levanta
antes de responder e se senta logo depois. Depois desse momento, costuma
haver um tempo em que os alunos trabalham sozinhos, fazendo exercícios.
Perto do fim da aula, a professora corrige alguns desses problemas,
normalmente pegando os cadernos de alunos com dificuldades e os
mostrando a todos, mesmo que tenha erro. Se aquele aluno estiver errado,
alguém com a resposta certa será encontrado e explicará a resposta
certa para a turma. E, importante, a professora volta ao aluno que havia
dado a resposta errada e fica com ele para ter certeza de que entendeu
onde errou e como a resposta certa diferia da sua. O circuito é fechado.
Esse microcosmo mostra três dimensões importantes da educação chinesa:
disciplina, transparência e foco no aprendizado de todos os alunos.
A disciplina é visivelmente ensinada pela escola. Não é possível imaginar que crianças e adolescentes tenham um impulso natural de se levantar para responder uma pergunta ou que levantem o braço, espontaneamente, na mesma altura. Uma série de programas da BBC chamado Chinese Schools, disponível no youtube, mostra como o processo pode ser cruel: um aluno é chamado à frente de seus colegas para se penitenciar e desculpar por ter a borracha mais carcomida da sala. Ele se confessa perdulário e promete cuidar melhor do seu material no futuro. O meliante tem 7 anos de idade, e não segura o choro quando a aula termina. Essa disciplina também é reflexo de uma educação inserida em um sistema político repressivo, e claramente tem funções de controle social que vão além dos interesses escolares. Mas é reconfortante notar que as próprias autoridades educacionais chinesas, nos níveis mais altos, como o Diretor Geral de Políticas Públicas do Ministério da Educação, Sun Xiaobing, a quem entrevistei, sabem que essa disciplina excessiva acaba criando profissionais que talvez possam ter sido bons operários do sistema fabril dos séculos XIX e XX, mas que não suprem as demandas de flexibilidade e criatividade que o século XXI demanda.
A disciplina é visivelmente ensinada pela escola. Não é possível imaginar que crianças e adolescentes tenham um impulso natural de se levantar para responder uma pergunta ou que levantem o braço, espontaneamente, na mesma altura. Uma série de programas da BBC chamado Chinese Schools, disponível no youtube, mostra como o processo pode ser cruel: um aluno é chamado à frente de seus colegas para se penitenciar e desculpar por ter a borracha mais carcomida da sala. Ele se confessa perdulário e promete cuidar melhor do seu material no futuro. O meliante tem 7 anos de idade, e não segura o choro quando a aula termina. Essa disciplina também é reflexo de uma educação inserida em um sistema político repressivo, e claramente tem funções de controle social que vão além dos interesses escolares. Mas é reconfortante notar que as próprias autoridades educacionais chinesas, nos níveis mais altos, como o Diretor Geral de Políticas Públicas do Ministério da Educação, Sun Xiaobing, a quem entrevistei, sabem que essa disciplina excessiva acaba criando profissionais que talvez possam ter sido bons operários do sistema fabril dos séculos XIX e XX, mas que não suprem as demandas de flexibilidade e criatividade que o século XXI demanda.
Há uma iniciativa coordenada, em todos os níveis de governo, para
relaxar esse controle e formar pessoas mais inquisitivas e criativas
para a Economia do Conhecimento. Como o PC chinês obterá esse triunfo
educacional-econômico sem perder a hegemonia política é assunto para o
artigo.O século 21 será da China?
Por
outro lado, a constatação desses exageros não obscurece uma conclusão
inescapável: sem um mínimo de disciplina e ordem, em que o professor
possa se fazer ouvir, não é possível dar aula. E sem um sistema em que
todos os alunos são ativamente envolvidos pelo professor e em que os
grupos, conversas ou interesses paralelos são dissolvidos, não é
possível haver disciplina. Como no Brasil ainda se confunde ordem com
autoritarismo, a desordem também é confundida com liberalidade, e dessa
bagunça não sai aula que preste.
O caso do caderno dos maus alunos sendo exibido é um exemplo da transparência radical que permeia o sistema. Os resultados mensais dos alunos são exibidos para toda a comunidade escolar. Todo aluno sabe como está o seu desempenho em relação aos seus colegas de turma e de escola. Em um sistema muito competitivo e justo, essa transparência é quase indispensável. Porque a educação chinesa é uma corrida constante, em que apenas os melhores e mais esforçados alunos conseguem chegar às boas universidades.
O sistema começa igualitarista: todas as crianças de um bairro vão para
a escola daquela área. Ao final do nível elementary, no 5º ano, há um
teste, e para aqueles alunos (ou seus pais) que querem ir para escolas
públicas melhores ou privadas no nível middle, o resultado desse teste é
importante para conseguir essa melhor colocação. Esse teste não causa
grande consternação à maioria dos alunos porque seu resultado não é
excludente: mesmo os maus alunos continuarão no sistema e irão para a
middle school mais próxima de sua região. Ao final da middle school, no
9º ano, vem o primeiro teste realmente importante, o jun kao. Feito em
todo o país, ele determina a high school que o aluno poderá frequentar.
Ao fazer o teste, o aluno marca suas 15 escolas preferidas, sendo que
pelo menos 14 precisam ser do seu distrito. A escola em que o aluno
poderá entrar será determinada pelo resultado dessa prova. Os melhores
alunos querem ir para as chamadas “key schools” (escolas-chave). Cada
distrito tem pelo menos uma escola-chave, mas também há as escolas-chave
da cidade, da província e, no topo da pirâmide, as de nível nacional.
Essas escolas recebem os melhores alunos, o governo coloca os melhores
professores e devota a elas mais recursos. Oficialmente, de uns anos pra
cá, não há mais escolas-chave e todas são tratadas igual, mas é um
pouco como o regime de castas na Índia: o governo pode as ter abolido,
mas todo mundo sabe quem é da casta dos brahmins e quem é dos
intocáveis. Apesar de supostamente não existirem mais nas políticas
públicos, alunos, pais e professores ainda usam o termo escola-chave e
sabem perfeitamente quais elas são.
Quem vai bem no jun kao pode ir para uma high school chave, o que
aumenta significativamente as chances de ir bem no gao kao e
consequentemente entrar em uma universidade top. Quem tem um desempenho
mediano segue sua vida acadêmica, sabendo que as portas das melhores
universidades dificilmente se abrirão. E, por último, quem tem
desempenho ruim no jun kao é obrigado a ir para uma escola
vocacional/técnica, que conduzirá ao mundo do trabalho ou, na melhor das
hipóteses, a uma faculdade técnica.
Como o número de alunos das escolas técnicas não é pequeno – na China
como um todo, 47% da matrícula no ensino médio está em escolas
técnicas/vocacionais – e, por outro lado, a competição para entrar na
universidade é muito acirrada, não dar ao aluno e seu pai a noção exata
de onde ele se encontra durante o decorrer de sua vida escolar e quais
são suas reais perspectivas seria quase criminoso. Ademais, ajuda o fato
de que a transparência é para todos: também os professores recebem
notas que são divulgadas entre seus colegas, e também cada escola é
ranqueada em seu distrito e tem sua posição divulgada publicamente. O
aluno não tem razão para se sentir injustiçado ou perseguido, portanto: o
sistema é o mesmo para todos.
O que contrabalança toda essa cobrança e rigor é o inegável compromisso
de todos os educadores chineses – do professor primário da escola do
interior ao ministro – com o efetivo aprendizado de todos os alunos e
com o seu bem-estar em geral. A China ainda ostenta um forte sentimento
de patriotismo e de comunidade. Não foram poucos os alunos com quem
conversei que disseram ter vontade de ficar no país para ajudar a
construir um projeto coletivo de futuro. Um mestrando me disse
explicitamente que recusaria ofertas salariais mais altas de empresas
estrangeiras, para poder ficar no país. O sentimento de lealdade
familiar e, por extensão, à coletividade mais ampla está arraigado na
cultura chinesa de uma maneira que é difícil para um ocidental
compreender. É paradoxal que um país de 1,3 bilhão de habitantes se
comporte de modo algo provinciano, como uma grande família, mas é
verdade. E em nenhuma área esse desvelo é mais evidente do que na
educação, que representa um enorme esforço dos chineses adultos para com
a próxima geração. Hejio Jiang, 14 anos, é aluna da escola de Xangai
que visitamos em segredo.
Ela estuda muito e está um pouco nervosa com o jun kao. Me contou um
sonho recente: que começou a chover doces em sua sala de aula. Ela é
aluna top 5 da sua aula e top 15 da sua série. Ano passado, suas notas
subitamente caíram, e ela ficou em 36º lugar na série. Sua professora a
chamou para uma conversa particular. Não para cobrar, reclamar ou dar
bronca, mas para saber o que estava acontecendo. Quis saber como andavam
as coisas em casa, se havia brigas, como andava o trabalho do pai etc.
Quis entender o que estava acontecendo e se colocou à disposição para
ajudar. Notando que não havia nenhum problema familiar, entrou em
contato com os pais e, juntos, trabalharam para que Jiang voltasse a ser
uma aluna top, o que efetivamente aconteceu. Os cuidados também se
manifestam nas áreas mais simples, como o físico. Nessa escola, me
chamou a atenção que 16 dos 25 alunos de uma turma que visitei usavam
óculos. Perguntei ao diretor que nos acompanhava se a escola fazia
testes visuais. Ele me explicou que não apenas aquela escola, e não
apenas testes de visão: em todas as escolas da China todos os alunos
passam por um exame físico básico a cada ano. Médicos e enfermeiros vêm à
escola e passam um dia examinando os alunos, verificando visão, audição
e saúde geral. Confirmei a informação nas outras escolas em que
visitei.
Na mesma escola, quando estávamos entrando em uma aula de artes da 6ª
série, uma aluna estava chorando e com dificuldade de caminhar por conta
de uma queda que havia machucado seu joelho. Imediatamente uma
professora veio ficar com ela, confortou-a, pegou-a pelo braço e a
ajudou a caminhar para longe dali. Uns quinze minutos depois, a mesma
professora voltou com a aluna, já recuperada, e a entregou à sua sala de
aula. Me veio à mente uma escola que visitei em Goiânia, em que os
alunos faziam um verdadeiro vale-tudo de pancadaria no horário de
recreio. Um deles veio, com o pé ensangüentado, na direção da
coordenadora pedagógica que conversava comigo. Ele pedia atendimento,
mas ela não interrompeu o seu discurso sobre como eles estavam
comprometidos com a formação do cidadão integral. Resignado com a
desatenção, o aluno cuspiu em seu próprio pé para tirar o sangue e
voltou para sua aula. Há milhares de professores brasileiros
comprometidos com seus alunos e apaixonados por eles, que se importam
profundamente com seu futuro. Mas há outros tantos que adotam a postura
cínica manifestada pela diretora de escola interpretada por Judi Dench
no filme “Notas sobre um Escândalo” , que dá a seguinte dica à
professora novata: “A gente aprende que educar é controlar as massas.
Nós somos uma ramificação do serviço de assistência social. Console-se
com os bons alunos. O resto é rezar e controlar o rebanho.”
Na China, não vi esse cinismo – nem em minha visita, nem nos programas
de TV ou livros de relatos feitos por estrangeiros. O sistema realmente
se importa com cada aluno. Essa talvez seja, em síntese, a razão do
sucesso da educação chinesa: ela combina a competitividade dos
americanos com o cuidado e amparo dos melhores sistemas europeus. A
competição, sozinha, tem gerado comportamentos antiéticos e a seleção e
priorização dentre o alunado. E os sistemas sem nenhuma competição e
cobrança, em que tudo é oferecido e pouco é exigido, acabam se tornando
complacentes. O Brasil não faz nenhum dos dois – bane a competição por
inclinação ideológica, e o fracasso acadêmico dos alunos mostra que a
preocupação com sua formação é conversa mole. A China está conseguindo
unir as duas vertentes. Pode cobrar e exigir muito do aluno porque ele
sabe que é pro seu bem, que o sistema visa os seus interesses. E também
porque o sistema é justo. Não apenas cobra de todos os alunos, mas cobra
ainda mais de seus professores.
Segue em novo post......
2- Os professores
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