sábado, 5 de maio de 2012

Os diários do Bispo Lacerda - II

O Bispo Pedro Maria de Lacerda em destino a Vila de Santa Cruz, descreve sua despedida da Vila Nova de Almeida.
" Diários das visitas pastorais de 1880 e 1886 à Provincia do Espírito Santo".

Domingo 26 de setembro de 1880.
"Hoje fez sol e o dia esteve claro e muito bonito;e assim fui de novo à torre.
Subí por uma estreita e incômoda velha escada, que parece dos jesuitas até os sinos e daí por uma escada de mão com muito jeito até o alto da torre ou zimbório cercado de parapeito aberto. Dalí estive vendo o rio, o mar, desertos, dilatados campos e as serras mais ao longe. Que desertos!
Poucas casas por aquele vasto horizonte de verdura do lado da terra; no mar nada de navios nem de canoas à procura do porto. Com o binóculo estive mirando aquele descampado e plano terreno, com as pequenas elevações da banda da Serra. As águas do mar que cobrem ou correm entre as ferruginosas  pedras vizinhas à praia, ora parecem avermelhadas,ora como se nelas estivesse sangue misturado, ora cor de café com leite. Os entendidos que expliquem. 
Agora direi quatro palavras sobre a Vila Nova de Almeida:
"Esta Vila fica em um alto e a dizer a verdade,consiste em uma vasta praça de capim com seu pequeno cruzeiro no meio.
As casas ficam nos quatro lados  e á exceção de um pequeno e pobre sobrado, as mais casas são térreas e grande parte de barro e palha. Para minha chegada tinham caiado as casas, "scilicet" as pequenas frentes, como tambem a torre, frente da igreja e da Casa da Câmara.
No baixo, junto ao rio, que é chamado porto, haverá não mais que doze casas e é onde existe o pequeno comércio da Vila. Todas as casas não passarão de 50 ao todo. Essa Vila é hoje morta e pouco vale.

Outrora foi povoada  de Índios que eram muitos, hoje porém são raros e a decadencia é muita.Já foi maior e será mais ainda se faltam padres, que sempre dão uma vida com as missas , batismos,repiques de sinos, etc. Não medí por trena o comprimento da praça, mas tive a pachorra de caminhar perto das casas, desde a do Vigário até  a que fica na extremidade até o ângulo que volta  para o lado da matriz. Dei 375 passos moderados e como foram pequenos,creio que poderão se reduzir a 300. Não medí largura, mas penso que andará por volta de uns  260 palmos, salvo erro de cálculo. 
Do lado mais do norte fica a Igreja e ao lado da Epístola o antigo Colégio dos padres Jesuitas,hoje casa da Câmara"
O dia amanheceu muito chuvoso, o que fez duvidar que partiríamos, mas enfim partimos. Disse Missa e enquanto dava graças saiu o padre Couto pela Matriz, onde havia não pouca gente para ouvir minha última missa e, com meus 5$000 que dei, recolheram 20$400 para o azeite do SS. Notei que havia muitas notas de  500 reis e moedas de dez tostões. Agradecí e ao sair toda aquela boa e caridosa gente me beijou o anel com muito amor e sinais  de pesar por minha partida.
Cêrca de meio dia montávamos a cavalo. Um pesar sentia eu e era de não ter ido visitar o Poço dos Padres, pelo que essa gente me desanimou dizendo que não valia a pena, que ia demorar-me, que não era tão perto da estrada. Dizem ser obra dos Jesuitas e seu mérito é dar a melhor água da Vila.
Atravessamos o rio em canoas e alguns animais passaram a nado, como outros que já estavam na outra banda e haviam passado antes. Gastou-se cinco minutos  no atravessar o rio que é largo. Fazia saudades e comovia ver no alto da  Vila alguns homens e bastante senhoras que estavam a ver-nos acompanhando-nos com os olhos e com os afetos apeasr do chuvisco, o que os obrigava a portar chapeus de chuva.
Preparam-se as cavalgduras e enfim pudemos montar e e começar a viagem.
As 1h e 3/4 da tarde, veio ao  acampamento o Dr Bastos e mais 40 cavaleiros de Almeida.
Foi um gosto ir pela praia afora apesar dos chuviscos com ameaça de mais água pela frente. Às 2 e meia passamos pelo Rio Preto que divide as Freguesias de Almeida e S. Cruz.
Mais adiante passamos o córrego  da Tabatinga e além o pequeno Rio Gramuté.(...........) Pelas 3 e meia passamos em uma planície e campos verdolengos de relva perto da Vila e entre os montes o larguíssimo rio de Santa Cruz. 
Aí estavam uma fileira de índios e índias(de raça e mais nada) com 2 capitães. Batiam eles ses guararás e esfregavam seus cassacos alem de soltarem suas monótonas e tristonhas vozes inarticuladas.
Dali a pouco adentrávamos S.Cruz. 
Resumo do trabalho em Vila Nova de Almeida:
22 missas minhas rezadas; 1 Pontifical solene pelo aniversário da fundação da Igreja Matriz há 300 anos.;895 comunhões(147 por mim) 1 Viático fora;;29 sermões; 3 missas cantadas; 1193 pessoas crismadas;37 batismos; 1 sagração e 2 pedras d'ara; 21 bençaõs com o Santíssimo;1 Te Deum;1 procisão com o Santíssimo; 1 casamento com as bençãos; nupciais por mim; 2 casamentos revalidados; em casa pessoalmente por mim. Casamentos: vide a lista de Fundão para ajuntar-se com esta e ter-se-há o total da Freguesia de Almeida 
Adeus Vila Nova de Almeida, agora nos achamos em Santa Cruz  mas os de Almeida não gostam dos de Santa Cruz, bairrismos muitas vezes infundados ou exagerados.
Mais adiante, comenta sobre essa Vila:
"Nesta Planície está a pobre Vila de Santa Cruz!Terá 100 casas ou casebres quando muito, das quais quase 50 são de barro e cobertas de palha e miseráveis.
Corremos a rua mais próxima ao morro em que estamos hospedados, quase tudo de palha e relva pela rua. Lá no fim há um campo, maiorzinho, onde foi parte da Aldeia Velha e por onde entra a maré por um pequeno brejo.
Nesse campo o chão é fofo e de musgo de paul e muitos buraquinhos feios  por pequenos caranguejos. Junto  ao morro há um pequeno chafariz que fornece água a toda Vila e onde tambem se lava roupa. Dali para o mar está uma pequena cerca que separa  o terreno da Vila e o dos particulares. Portanto por pouco se extende o chão do município.
  (............) dali atravessamos a Praça da Matriz, seguimos por perto do mar onde está a casa da Cãmara( a melhor coisa da Vila) e adiante a casa do Vigário onde entramos um pouco. Alí há um campinho de relva e lavrando  e aqui estavam lavrando um pau de que se fará o cruzeiro.
Por todo este trajeto por junto do rio até a barra do oceano, porque  o rio alem de fundo é largo e quase igual em linha reta até o mar.
Dalí passamos atrás da Casa da Câmara e tornamos à Matriz cujo fudo está encostado  ao morro e chegamos á casa. Vilazinha de nada!
Há nesta Vileta um Hotel Camões, casinha de nada e outra em que só se recebem pessoas escolhidas e outra casa de palha fora do prumo e cabana verdadeira, contígua  à que estamos e é um omnibus para os índios de fora.
Mísera e mesquinha Vila!! E há aqui uns ímpios e maçons e tem havido uma porção de escandalos dos quais nem todos se tem emendado e já se sabe que o terreno não é dos piores para nele dar-se bem a Maçonaria, que tem adeptos, felizmente poucos.
Nesse passeio vimos junto ao mar grandes toras de jacarandá, o forte do comercio desta Vila ainda é essa madeira. 
Usam dividir a árvore em 2 ou 3 toradas e depois serram ao comprido e estas caçoeiras(assim a chamam) vão para a Corte do Rio de Janeiro.
No fundo da Casa da Câmara está a Cadeia, um corredor com 3 quartos grandes com grades. Mísera Vila!

Um pouco de história:

Com 454 anos, Santa Cruz é uma pequena localidade do município de Aracruz, estado do Espírito Santo. Situada às margens do Rio Piraqueaçu, é motivo de muito orgulho para seus habitantes, principalmente daqueles que herdaram de seus antecessores histórias de muitas gerações, que até hoje podemos sentir, olhando seus casarões antigos, o velho cais do porto, a Fonte do Caju, a beira do Rio, o movimento dos pescadores, o extenso manguezal, seu cheiro de mar...













Denominada Aldeia Nova, Santa Cruz foi fundada em 1556 pelo padre Brás Lourenço auxiliado pelo também padre Diogo Jácome. Tudo começou com a chegada dos homens brancos naquelas terras habitadas somente pelos índios tupiniquins, chefiados pelo cacique Maracaiá-Guaçu, ou Grande Gato. Eles chegaram em virtude do processo de catequização, fundando um núcleo de catequese que atraiu várias tribos de índios da região. Mais tarde, com a criação da Aldeia dos Reis Magos ( atual Nova Almeida) o núcleo passou a denominar-se Aldeia Velha. 

Segundo Levy Rocha em seu livro " De Vasco Coutinho aos Contemporâneos" a aldeia teria sido apelidada pelos seus habitantes tupiniquins de Huuassu, ou Rio Caudaloso, e, segundo o autor , ao que parece, a Adeia Nova foi o primeiro ponto da costa brasileira onde, a 26 de fevereiro de 1557, aportou o barco que trouxe o francês Jean de Lèry para servir a Villegaignon. O cacique Maracaiá-Guaçu chegou a se incorporar à expedição de Mem de Sá para expulsão dos franceses da Guanabara.

Em 16 de dezembro de 1837 a Aldeia Velha tornou-se distrito. Uma lei provincial elevou o povoado a Freguesia, passando ela a fazer parte do termo de Nova Almeida. Em 1848, por Lei Provincial no. 2, a Freguesia foi elevada a Vila. O município foi criado em 3 de abril de 1848 com o nome de Santa Cruz.
Em 1860, Santa Cruz recebeu a visita de D. Pedro II, que pernoitou em Santa Cruz e até inaugurou o chafariz público . Para abrigar o imperador, foi construído o prédio onde depois funcionou a antiga Câmara Municipal , hoje um dos dois únicos patrimônios do Município de Aracruz tombado pelo Conselho Estadual de Cultura.

Outro patrimônio também tombado no município de Aracruz é a igreja católica de Santa Cruz, Igreja de Nossa Senhora da Penha. 

Conforme o historiador Placidino Passos, e o Catálogo de Bens Culturais Tombados no Espírito Santo, por volta do ano 1820, a pequena aldeia possuía menos de uma dezena de cabanas cobertas de sapé, não passando de um aldeiamento de índios, os quais se ocupavam do embarque de cal de conchas, madeiras e de algumas roças de mandioca ou milho. Em 1837, devia existir no local alguma capela de taipá. 

o ano seguinte, o presidente da província capixaba autorizava, por lei, a contratar a conclusão da Igreja, o que consta, segundo os historiadores, não ter sido levada a sério.

Em 1841, num mutirão de devotos, a matriz foi iniciada. Seus esteios e paredes eram de madeiramento fraco e ruim e a obra ficou de ser concluída. Em 1844 faltava forrar a capela-mór, fazer o retábulo e o altar e assoalhar o côro, bem como estava a fazer o companário, sendo os sinos pendentes do coro.

Em 1855 parecia estar terminada, não necessitando de reparo algum, conforme considerações de seu vigário Santos Ribeiro. Mas aquele templo precisava de cuidados constantes.

Em 1857, o novo vigário da Vila de Santa Cruz oficiava ao Barão de Itapemirim que o frontispício da Igreja Matriz reclamava de reparo, sob ameaça de ruir. Em 9 de maio do mesmo ano, começou a ser construída a fachada definitiva, de alvenaria, no estilo gótico-romano.
De longe, a impressão era de que a construção estava acabada. Foi visitada por D. Pedro II em 1860. A Igreja guarda em seu interior uma imagem de Jesus Cristo em tamanho natural, tombada pelo Conselho Estadual de Cultura em 1986. 

A planta do templo é retangular, com nave e capela-mór num só corpo e sacristia em outro. Foi restaurada no século passado, no início da década de 70 e também mais recentemente, nos anos 90. 

Fonte: Grão de Areia

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